Ministério Público aceita reduzir pena a Edite Estrela
Procurador afasta condenação por abuso de poderes, defesa pede absolvição com críticas ao Tribunal de Sintra
O procurador-geral adjunto no Tribunal da Relação defendeu, nas alegações do recurso da ex-presidente da autarquia sintrense Edite Estrela, que não se mantenha a condenação por abuso de poderes. Este crime estará prejudicado pela violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade.A ex-presidente da câmara foi condenada pelo Tribunal de Sintra, em Janeiro de 2004, a multa de seis mil euros pelos crimes de abuso de poderes e violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade por distribuir, antes das últimas autárquicas, uma carta aos munícipes contendo "propaganda eleitoral". O colectivo de juízes considerou que "foi prematuramente afastado o crime de peculato de uso" (dar a dinheiro público uso diferente do previsto). Esta acusação do Ministério Público veio a ser abandonada na pronúncia.
Edite Estrela, apesar de julgada pela distribuição, antes das eleições de Dezembro de 2001, de um quinto número do boletim municipal e de uma carta aos munícipes, apenas foi condenada pela missiva por si assinada em papel trimbrado da presidência da câmara. A carta, segundo o acórdão, constituiu "um acto explícito de campanha eleitoral", num período em que tal conduta estava vedada pela lei. Quanto à revista, os juízes entenderam que esta se situou "no limiar de um ilícito criminal", reconhecendo que serviu para Edite Estrela responder a acusações graves de corrupção de que a câmara havia sido alvo.
Após a leitura da sentença, a eurodeputada do PS classificou a sentença como "injusta" e lamentou a "distorção" dos depoimentos das testemunhas que apresentou de vários quadrantes partidários (da CDU ao CDS).
Carta sem autor"O preconceito - no sentido de pré-juízo - com que foi conduzido todo o julgamento não só foi prejudicial à defesa, como impunha naturalmente uma decisão de condenação da arguida", alega, logo a abrir, o recurso apresentado à Relação. A fundamentação usada, argumentam os advogados, "principalmente para imputar à arguida a autoria material da "carta", é tortuosa, acintosa e gratuitamente violenta".
O recurso aponta exaustivamente vários depoimentos, de autarcas, funcionários e do responsável de uma empresa de comunicação, quanto ao desconhecimento de Edite Estrela na elaboração da carta. O texto dos advogados refere também as declarações, de personalidades da política e da cultura, de que o documento não possuía propaganda eleitoral e, à semelhança do boletim, visava responder aos ataques sobre a falta de qualidade de vida no concelho.
Colocando em causa a prática do crime de violação de neutralidade e imparcialidade, os advogados da autarca defendem que os mesmos fundamentos servem para recusar o crime de abuso de poderes. E fazem notar que, ainda que assim não seja, nunca se poderia levar em conta o abuso de poderes, "pois, se assim fosse, estar-se-ia a punir a arguida, pelos mesmos factos, dupla ou triplamente". Isto porque o crime da violação de neutralidade e imparcialidade constituirá, em si, um tipo de abuso.
Além de contestar que a pena não levou em conta a absolvição de parte significativa da acusação, tendo-a como "excessiva", o recurso conclui que a arguida "mantém, para todos os efeitos legais, incluindo os de recorrer para o Tribunal Constitucional", a alegação da inconstitucionalidade de normas da lei orgânica da eleição para as autarquias.
Nas alegações, realizadas anteontem à tarde no Tribunal da Relação, o procurador-geral adjunto Paulo Antunes contrapôs que a matéria de facto constante no acórdão do Tribunal de Sintra "parece bem fundamentada". Por isso, mantém a posição do Ministério Público na primeira instância, quanto à violação da neutralidade e imparcialidade, "mas não quanto ao crime de abuso de poderes". O magistrado admitiu existir "um concurso real" entre os dois tipos de crime. Todavia, mesmo que não tivesse participado na elaboração da carta, descartou a possibilidade de a autarca desconhecer a sua divulgação ou de não a poder impedir.
O advogado de Edite Estrela salientou aspectos do recurso e notou que, embora não possuindo intenção eleitoralista, a divulgação da carta ocorreu "em período pré-eleitoral", quando a lei impõe restrições durante a campanha eleitoral. A lei, alegou Tiago Bastos, visa acautelar "uma situação descarada de apelo ao voto", o que entende não ocorrer no caso. Senão, seria crime sempre que alguém "inaugura uma ponte ou um ministro aparece de Falcon" para uma iniciativa pública. E rematou: "Não só a conduta não tem matéria passível de ser criminalizada, como a arguida vem demonstrar que não foi a autora" da carta.
O advogado do PCP, que se queixou da carta, por criticar eleitos da CDU, não compareceu na Relação. O PCP, apesar da pena "leve", considerou que "a justiça funcionou".