Sanatórios do Caramulo aguardam nova oportunidade

Equipamentos que tiveram vincado renome nacional estão hoje ao abandono

O silêncio gerado pelo abandono trespassa hoje muitos dos antigos sanatórios do Caramulo, que nos tempos críticos da tuberculose tornaram aquela vila de "bons ares" na mais afamada estância sanatorial da Península Ibérica.Situada a 800 metros de altitude, na serra do Caramulo, Tondela, a vila chegou a ter em funcionamento perto de 20 sanatórios, que se traduziam numa população flutuante superior a mil pessoas.
"Era uma animação, havia muito movimento. Vinha gente de todo o lado, até do estrangeiro. Havia vida social, quer por causa dos doentes, quer dos médicos e de outras pessoas que cá trabalhavam", contou Alfredo Xavier, de 71 anos.
Um cenário bem diferente do actual. Caminhando pela vila, poucos são aqueles que se vêem nas ruas e destes a maioria são idosos, utentes de lares instalados em alguns dos sanatórios.
O mais antigo - o Grande Sanatório - abriu as portas em 1922, após a criação de uma sociedade impulsionada pelo médico Jerónimo de Lacerda, que integrava personalidades da época. Seguiram-se-lhe muitos outros, mas o controlo clínico de todos competia ao corpo clínico do Grande Sanatório. Devido à divulgação da vacina da BCG e ao surgimento dos antibióticos, os sanatórios foram encerrando, o último na década de 80.
Hoje, quem chega à vila do Caramulo interroga-se sobre o futuro dos grandes edifícios deixados ao abandono, que recordam glórias passadas e esperam uma nova oportunidade. A alguns já foi dada uma nova utilidade, nomeadamente ao "sanatório de Salazar" (destinado ao Exército), hoje transformado num hotel de quatro estrelas, e a outro ao lado, onde foi instalado o Instituto de Prevenção do Stress e Saúde Ocupacional.
Sameiro, Monteiro de Carvalho, Boa Esperança e Pedras Soltas foram reconvertidos em lares de terceira idade, mas existem outros cujo futuro é uma indefinição.
Tiago Patrício Gouveia, bisneto de Jerónimo de Lacerda, admitiu à agência Lusa não haver qualquer projecto para o único dos sanatórios que pertence à Sociedade do Caramulo, o Grande Sanatório. "A sociedade está aberta a investimentos, porque tem muita vontade de fazer alguma coisa, de criar riqueza para o Caramulo, mas não tem dinheiro para o fazer sozinha", afirmou.
O futuro é também uma incógnita para os restantes sanatórios, disse o presidente da Junta de Freguesia do Guardão, Pedro Adão. Existe um projecto apresentado na câmara em Agosto pelos proprietários do hotel (a Turiscaramulo, do grupo BPN) para construir uma nova unidade hoteleira de três estrelas, no Sanatório Santa Maria.
Quanto ao Bela Vista, que acolhia os marinheiros e pertence a particulares, chegou a ser pensada a demolição, para aí ser construída habitação social, o que implicava "custos muito elevados, que iriam encarecer o seu preço".
Sem utilidade está também o sanatório infantil, que a câmara e a junta propuseram à Segurança Social lhes fosse doado, porque o edifício "poderia ainda ter aproveitamento". A proposta tem um ano e está até agora sem resposta.
Ao abandono estão ainda o pavilhão cirúrgico, de uma empresa de Albergaria, e o central, também de particulares, para os quais Pedro Adão disse não ter "conhecimento de qualquer destino".
O autarca lamenta o estado a que chegou o Caramulo, que em tempos reuniu "condições que podiam ser comparadas às de Lisboa". "O Caramulo tem uma história muito própria, porque foi construído por uma pessoa com muita visão. Basta pensar que foi feita uma avenida com nove metros de largura", frisou.
Pedro Adão lembrou que havia uma rede de abastecimento de água, outra de esgotos, uma estação de tratamento e até uma pequena barragem que produzia electricidade para auto-abastecimento. Nesse tempo só existiam duas juntas de turismo no país, a do Caramulo e a do Estoril.
Pedro Adão considera que a aposta do Caramulo tem de ser o turismo de montanha, promovendo as belezas naturais. E acha fundamental a existência de uma unidade hoteleira com preços reduzidos, para captar os jovens.
Se a aposta se concretizar e surtir efeito, o Caramulo poderá assim entrar numa nova fase da sua vida. As marcas do passado, no entanto, permanecem e são "guardadas" por dois leões que, nas entradas da vila, avisam da chegada à antiga estância sanatorial. Ana Maria Ferreira, Lusa

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