E a tua mamã, também?

No melhor argumento de sempre de Hanif Kureishi, há uma família com crianças mimadas, pais sem tempo, com sentimentos de culpa, problemas e frustrações, um avô velho, doente e que morre, e uma avó que fica viúva e se recusa a morrer. Tudo levemente disfuncional mas sem nada de excessivo, uma espécie de disfuncionalidade-tipo. O problema é a avó ou, do ponto de vista dos filhos, a mãe: não querer morrer significa também não prescindir dos desejos, do desejo. Aos 65 anos, May sente vontade de sexo, May faz sexo.

No final de 2003, quando "A Mãe" estreou em Inglaterra, os elogios da crítica ao filme de Roger Michell foram ao mesmo tempo amplificados e abafados pelo debate (intelectual, não tablóide) sobre a grande questão: as nossas mamãs, as nossas avós, também? Do ponto de vista dos ingleses, para tornar a questão mais brutal, o "casting" colocou no papel de May a actriz Anne Reid, uma cara conhecida de uma familiar telenovela do fim das tardes, "Coronation Street", uma verdadeira instituição cuja popularidade se mantém apesar dos anos de exibição. Faça-se o exercício de seleccionar uma madura actriz portuguesa de telenovela e teatro (uma que se pareça com uma respeitável avó) e pô-la nua nua às voltas numa cama com um homem trinta anos mais novo em tórridas tardes de sexo.

Kureishi e Michell não inventaram nada ao mostrarem uma mulher mais velha envolvida fisicamente com um homem mais novo. A memória dispara imediatamente para "The Graduate - A Primeira Noite", com os exercícios de sensualidade fatigada de Mrs. Robinson (Anne Bancroft) à volta de Benjamin Braddock (Dustin Hoffman); mas a verdade é que a Bancroft não era assim tão nova (tinha então 46 anos) e que Hoffman fazia de rapazinho mas tinha 30 anos. Houve "Harold e Maude", realizado por Hal Ashby em 1971, à volta de uma ligação entre um jovem pós-adolescente e uma mulher quase octogenária, mas o essencial, aqui, era uma ligação não-sexual.

Em "A Mãe", não são os pais que descobrem as escapadelas dos filhos, são os filhos que descobrem as escapadelas da mãe - apropriadamente, não encontram um diário, que é aquela "arma fumegante" que nos filmes costuma incriminar os adolescentes; deparam horrorizados com desenhos gatafunhados e explícitos dela que desvendam as fantasias ou ilustram a realidade das belas tardes que ela passa.

O grande ecrã e o pequeno ecrã (e, já agora, a vida) estão cheios de exemplos de homens mais velhos, muito mais velhos, que se envolvem com raparigas novas, muito mais novas. Nestes casos, a reacção varia entre o sorriso incrédulo e a admiração (ou as duas coisas), mas não há lugar ao choque. Com as mulheres é diferente, como se na velhice ainda tivessem de superar uma última fronteira, conquistar um último direito. Da mãe, da avó, não se esperam estas coisas, não se admitem pensamentos, desejos, isso é imperdoável, não se admite sequer que possam existir.

Mas existem. Entrevistada quando o filme estreou, a própria Anne Reid, que vai fazer 60 anos, explicou tudo muito bem explicadinho numa frase curta: "É uma piada de Deus - leva-nos a audição, a vista, e tornanos as pernas fracas, e continuamos a querer sexo. Não é justo".

Divorciada, sem vida sexual activa.

O "debate inglês" sobre "A Mãe" foi largamente alimentado do outro lado do Atlântico pela chegada às livrarias de uma peça rara, escrita por uma mulher de 70 anos, Jane Juska. Título: "A Round-Heeled Woman - My Late-Life Adventures in Sex and Romance" (ed. Chatto&Windus, 2003). Na capa destas memórias está estampado o anúncio que ela colocou na selecta "New York Review of Books" e que é o mote para o livro. São 32 palavras em inglês que, traduzidas, são assim: "Antes de fazer 67 anos - em Março - gostaria de fazer muito sexo com um homem de que goste. Se quiser conversar primeiro, Trollope funciona para mim". Teve 63 respostas - e iniciou a sua demanda.

Juska é uma mais do que respeitável professora de Inglês e o anúncio mostra-o. "Round-heeled" (de ancas largas) é também uma velha expressão para designar mulheres "fáceis"; e Trollope é um romancista do século XIX. Divorciada, sozinha e há muitos anos sem uma vida sexual activa, foi um dia, a meio da projecção de "Conto de Outono", de Eric Rohmer, tocada pela pergunta que um dia, seguramente, assalta todos: "E se nunca mais fizer sexo na vida?".

"Não é justo", como dizia Anne Reid. Não é justo porque Jane Juska, nos seus 66 anos, sentia isto: "Sinto-me excitada pelos homens, por partes dos homens. Adoro os rabos dos homens, mesmo aqueles que não são perfeitos. Excita-me o pescoço do John, o braço do Bill, a voz de Sidney, as mãos de Robert, as pernas de Graham. Os homens têm pernas fabulosas, nada de gordura, músculos grandes. A andar pela rua, de Verão, ver todos aqueles homens de calções é uma emoção para mim. E adoro pénis. São diferentes uns dos outros, direitos e curvos, grossos e finos, fascinantes sem fim, estejam em descanso ou alerta. Fazem coisas maravilhosas por mim e eu faço coisas maravilhosas por eles. Freud escreveu que os homens desejam as mulheres mas que as mulheres desejam o desejo que os homens têm por elas.

Suponho que sim mas, na minha cabeça, as mulheres andam a perder muito se ficam satisfeitas só com umas narinas abertas e uma respiração ofegante".

Como é que se envelhece sozinho?

Em "A Mãe", "May", a avozinha, também experimentou umas narinas abertas e uma respiração ofegante de um homem da sua idade. Não gostou. Em especial depois de provada a juventude do amante da filha. Jane Juska também teve o seu largo quinhão de desilusões e coisas desagradáveis. Mas ela, no fim da sua busca de 272 páginas, como "May" no fim dos 112 minutos do filme de Roger Michell, acha que valeu a pena e, provavelmente, colocam as duas a mesma pergunta, uma pergunta para qualquer idade: "Todas as minhas partes foram alimentadas por estes homens. Tornaram-me uma mulher rica. Mas rica não quer dizer cheia, e não estou cheia. A questão é, quando se fez muito sexo com um homem de quem se gosta, como é que se deixa de o querer?".

A personagem de "A Mãe" parte, recusa-se a ficar em casa porque aí tem a certeza de que há-de morrer aos poucos, leva um passaporte, talvez rume ao sol. Jane Juska acaba o livro deixando no ar a sugestão de que um homem dos que conheceu, Graham, pode estar no seu futuro. Mas, antes, "regressou a casa". E aquilo que encontrou deve ter sido o que May viu e o que um número esmagador de mulheres (e homens) vivem:

"O problema ao regressar a casa é que não há ninguém no quarto ao lado. Oh, sim, é agradável e todas as gavetas da cómoda são só para a nossa roupa interior, é agradável dormir em lençóis tão limpos quanto se queira que eles estejam, é agradável cagar numa casa de banho onde os pêlos púbicos são só os nossos. Mas então chegam as sete da tarde. Até lá, estou ocupada. Mas às sete estou sozinha e terrivelmente solitária. Que hei-de fazer até adormecer? Um amigo, jovem marido e pai, perguntou-me uma vez: ''Como é viver sozinha? Deve ser difícil." Respondi-lhe: ''É como viver com outra pessoa; só que a outra pessoa sou eu. A maior parte do tempo damo-nos bem; outras vezes discutimos e zangamo-nos, mas acabamos por fazer as pazes''. O meu amigo gostou da resposta, e eu também, só que agora eu, e eu, e eu estamos todas sozinhas. Como é que se envelhece sozinho? Na doença e na saúde, na riqueza ou na pobreza, até que a morte nos separe".

Na América, descontada a metade que ignorou o livro de Juska ou o considerou digno de arder na grande fogueira reservada às obras tocadas pelo Mal, "The Round-Heeled Woman..." chegou a ser apontado por críticos como "revolucionário", como uma peça que ajudará a mudar a maneira como é olhada a sexualidade entre os mais velhos.

"Revolucionário" talvez seja um exagero, tanto para este livro como para o filme de Roger Michell. Mas "provocador" já será um elogio suficiente. Provocar-nos a olhar de outra maneira para a legião crescente de mais velhos; provocar-nos a perguntar ''a nossa mamã também?''; provocar-nos a olhar para nós: em qualquer idade, queremos sexo e só sexo, ou queremos uma coisa muito mais difícil - sim, é piroso, e depois? -, amor?

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