Qualquer desses filmes deve estar entre os mais bem sucedidos filmes europeus de sempre. Pelo meio até dirigiu um filme bastante razoável (o quarto episódio de "Alien", na América, com Sigourney Weaver e Winona Ryder) mas isso pouco conta para o essencial: Jeunet é o cineasta de "Delicatessen" e, sobretudo, de "Amélie Poulain", com milhões de admiradores pelo mundo inteiro.
Os detractores são menos mas existem, assim como alguns, não muitos, saiem de uma projecção de "Amélie" numa pilha de nervos (porque muito simplesmente esse filme condensa tudo o que eles odeiam). Esses infelizes deslocam-se a um visionamento do novo filme do "mago" com o coração na boca - será "Um Longo Domingo de Noivado" um "Amélie II", como o parece indiciar a presença, outra vez, de Audrey Tautou? Boa notícia: só um bocadinho. E outra boa notícia: "Um Longo Domingo de Noivado" é bastante inofensivo no que ao sistema nervoso diz respeito, é apenas (mas isso aguenta-se melhor) profundamente aborrecido.
Desta vez Jeunet aventura-se no romance histórico, adaptando uma história de Sébastien Japrisot. O tempo é o do imediato pós-I Guerra Mundial: o armistício foi assinado, os soldados foram voltando da frente, mas o noivo de Mathilde (a personagem de Tautou) não. Apesar de o rapaz ter estado numa trincheira do Somme onde a mortandade foi enorme, Mathilde sabe (porque "sente") que ele há-de estar vivo algures, contra todas as probabilidades e contra todos os testemunhos em contrário. Decide, portanto, ir à procura dele.
A lógica é, assim, a dum "filme de inquérito". Mathile investiga, e a partir da informação recolhida vai-se reconstituindo, com mais ou menos "flash-backs", o que aconteceu na trincheira. Noutros "flash-backs" é a história de Mathilde e do rapaz que é reavivada, da infância à partida dele para a guerra. É isto, basicamente. O resto, é o "estilo" de Jeunet: um sentido de "espectáculo" que vem directamente de uma escola que é sobretudo publicitária, uma escola do "look", do visual, do efeito de montagem - e aí Jeunet revela-se de facto ainda mais sofisticado do que Luc Besson, a quem aparentemente tomou o lugar como ponta de lança do cinema francês de grande espectáculo. Abundam as pequenas "proezas", os planos vistosos, os "raccords" para encher o olho. Narrativamente, coleccionam-se personagens-tipo, num registo popular (conferir, por exemplo, com o sotaque marselhês do detective privado contratado por Mathilde) que denuncia o outro "segredo" de Jeunet, a re-activação de uma série de características da tradição mais popular (para o bem e para o mal) do cinema francês - e no fundo, no fundo, "Um Longo Domingo de Noivado" vem daí: isto é um cinema velhíssimo coberto por uma capa (literalmente: há sempre um ou mais filtros sobre a imagem) visualmente "moderna".
Duas curiosidades. A banda sonora, surpreendentemente mansa e indistinta, é de Angelo Badalamenti. Um dos secundários, um soldado na trincheira, é Denis Lavant, que há vinte anos atrás foi o alter-ego de Leos Carax ("Boy Meets Girl", "Os Amantes da Pont-Neuf").