No Smoking Band traz folia a Lisboa

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Kusturica e No Smoking juntos formam uma combinação letal DR

A lotação está esgotada, a provar o interesse do público pelas tropelias desta formação que tem tudo para poder ser incorporada nas prateleiras da "world music", mas que nos discos e nos concertos se revela muito mais do que a tradução, mais ou menos fiel à "verdade" original, da música tradicional dos Balcãs. Já lhes colaram o rótulo "gypsy tecnorock" e a sua estética e apresentação têm tanto de punk como de folclore e de circo.

Talvez esta atracção não fosse tão forte caso entre as fileiras do grupo não figurasse, desde 1986, um baixista com o nome de Emir Kusturica, conceituado e desalinhado cineasta bósnio autor de filmes desconcertantes sobre o amor, a loucura, a alegria, a vida e a morte, como "Arizona Dream", "O Tempo dos Ciganos", "Underground", "Gato Preto, Gato Branco" e o novo "A Vida É um Milagre". Kusturica e No Smoking juntos formam uma combinação letal.

Mas a história da No Smoking Band remonta mais atrás, a 1980, ano da sua formação, em Sarajevo, onde se integraram num movimento soprado para o exterior com a designação "New Primitivism", basicamente uma recapitulação balcânica do punk, nos anos de transição da era pós-Tito. Dois anos foram passados a tocar em pequenas salas de Sarajevo e só em 1984 a No Smoking Band reuniu as condições para gravar o primeiro álbum, "Das Ist Walter". Uma das canções, "Zenica Blues" tornou-se um "hit" na Jugoslávia, com cem mil exemplares vendidos.

Sátira política e vigilância policial

Para o grupo, o sucesso não passou de uma nota de rodapé - nem o dinheiro tombou a rodos nem a atitude de descomprometimento e confrontação sofreu o mínimo abrandamento. No mesmo ano, a participação na série de televisão "Surrealist Top List", uma sátira violenta à política do poder oficial, provocou o primeiro franzir de sobrancelhas nas autoridades do país, que passaram a ver no grupo um comício itinerante de perigosos anarquistas. Corolário de tudo isto, o director artístico e cantor da banda, Dr. Nele Karajilic, atreveu-se a pronunciar comentários menos politicamente correctos sobre a morte do general Tito em plena actuação ao vivo para milhares de pessoas. Como o próprio Dr. Nele hoje recorda, "passou a haver uma quantidade de polícias" a vigiar cada concerto.

O boicote oficial passou a ser sistemático, o que não obstou a que a banda gravasse o seu segundo disco, "Dok Cekas Sabah sa Sejtanom" ("À Espera do Sabbath com o Diabo"). "Tempos difíceis" para o grupo. "Ficávamos até de madrugada a beber nos bares tendo como única companhia o diabo". O disco vendeu miseravelmente, mas o entusiasmo não esmoreceu. Saíram músicos e entraram músicos. Um dos que entraram foi Emir Kusturica, e deste modo os No Smoking Band passaram a contar com um inesperado chamariz mediático. Depois de um primeiro galardão internacional conquistado em 1981 com "Lembras-te de Dolly Bell?", o Leão de Ouro de Veneza, o cineasta acabara de conquistar em 1985 a Palma de Ouro de Cannes com "O Papá Foi em Viagem de Negócios".

Banda sempre em renovação

Não admira, portanto, que o álbum seguinte, "Pozdrav iz Zemlje Safari" (1987), invertesse o processo, com 90 mil exemplares vendidos, seguindo-se, em 1989, "Male Price o Velikoj Ljubavi". A guerra rebentou entretanto e a No Smoking Band interrompeu as suas actividades. Nelle Karajilic mudou-se para Belgrado e encetou novas mudanças na formação da banda, com o convite a músicos mais novos, entre os quais Stribor Kusturica, na bateria, filho do realizador. Kusturica, também ele antigo elemento de uma banda punk, manteve-se, mais do que nunca, "persona non grata", agora do novo regime, pelas suas posições em defesa de uma Jugoslávia unificada.

Em 1998, pela primeira vez a No Smoking Orchestra foi convidada a fazer a banda sonora de um filme de Kusturica, "Gato Preto, Gato Branco" (vencedor do Leão de Ouro de Veneza), que deste modo substituíram Goran Bregovic, autor das músicas de "Arizona Dream", "O Tempo dos Ciganos" e "Underground". O próprio Kusturica, juntamente com o violinista Dejan Sparavalo, assinou as composições do álbum, tendo Nele Karajilic escrito as letras. O grupo, ou melhor, a pequena orquestra, era já nesta altura uma presença requisitada no circuito de concertos internacional. A digressão "Side Effects" levou multidões aos concertos. A No Smoking Band actuou no Festival de Veneza, em programas de televisão e - heresia das heresias - gravou mesmo um "videoclip" para a estação de música MTV, realizado pelo próprio Kusturica.

Em palco, porém, os No Smoking não deram sinais de domesticação, apesar da música ganhar cada vez mais espaço à vertente intervencionista dos primeiros tempos. O álbum "Unza Unza Time" (2000) introduziu o termo "unza unza" para definir (?) a tremenda girândola de sons e imagens que o grupo empresta às suas actuações. "A Vida É um Milagre", o mais recente filme de Kusturica, conta de novo com banda sonora assinada pelo grupo, dando inclusive nome à actual digressão que traz os No Smoking a Portugal, "Life Is a Miracle Tour".

Ao que Lisboa assistirá esta noite no Coliseu dos Recreios não é fácil de definir. Música cigana, danças balcânicas, música clássica e agressão punk são servidos por estranhas personagens envergando trajes bizarros, num caleidoscópio que, por detrás de uma alegria que se confunde com loucura furiosa, esconde algum negrume. Como diz Nele Karajilic, "se alguém quiser suicidar-se ao vivo no palco durante o concerto, terá todo o nosso apoio!". A morte, afinal, também faz parte do milagre?

Emir Kusturica & The No Smoking Orchestra

LISBOA Coliseu dos Recreiros. R. Portas de St. Antão, 96. Tel.: 213 240 580. Às 21h30. Bilhetes de 30 a 180 euros.

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