Torne-se perito

O que têm estas livrarias de especial?

Barata

LisboaA livraria de bairro
e técnica

Fundada em 1957, a Barata continua no mesmo espaço onde nasceu, embora hoje tenha uma área maior: na Av. Roma, lado a lado com a Bertrand. Tem artigos de papelaria logo à entrada, alguns discos, uma galeria na cave e livros de todas as áreas. Poesia e potenciais "best-sellers" como a biografia de Alexandre Frota (o actor brasileiro que esteve na Quinta dos Famosos) convivem quase lado a lado. A Barata antecipou a chegada da Fnac com a abertura de novos espaços: hoje tem duas livrarias generalistas - a da Av. De Roma e a de Campo de Ourique -, duas papelarias e cinco livrarias especializadas instaladas em universidades. "Sabíamos que a Fnac nos ia tornar mais pequenos e para manter a nossa posição decidimos investir", diz a directora Graça Didier. "Crescer enquanto negócio foi a resposta à Fnac. O primeiro ano de crise da Barata foi há dois anos, quando desceu ligeiramente a rentabilidade. Neste momento sente-se que as pessoas têm menos dinheiro para gastar."
Graça Didier, ex-presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, contextualiza: o mercado alterou-se com a abertura dos hipermercados no início dos anos 90. "O livro massificou-se, chegou a uma população mais vasta e trouxe mais leitores", houve um salto "sobretudo na área infanto-juvenil". A Lei do Preço Fixo, de 1996, veio regularizar o mercado: "Era impossível uma livraria concorrer com os preços do hipermercado." Foi também nesta altura que se assistiu a "uma revolução nas linhas editoriais": "O mercado abriu-se para outro tipo de livros." E acrescenta: "Isso obrigou as livrarias a modernizarem-se, a usarem conceitos de "marketing" e "merchandising", a olhar para o livro como um produto." A aposta nos livros de fundo e nos livreiros, diz, é o que pode fazer diferença na Barata, que se assumiu como livraria de bairro. "Há mercado para todos."

Buchholz

Lisboa
A livraria que tem clientes que
fazem notícias

A Buchholz foi notícia na semana passada depois de centenas de pessoas receberem um "e-mail" anónimo que alertava para a sua situação de "pré-falência". Tudo começou por uma carta da livraria para Luís Alves da Costa a pedir que o antigo cliente liquidasse a sua conta. Alves da Costa, pintor e professor, 44 anos, há 20 cliente da Buchholz, foi à Rua Duque de Palmela e, em conversa com os responsáveis, percebeu que a livraria estava numa situação financeira complicada. Chegou a casa e enviou o "e-mail" a 12 amigos. Nunca pensou que se tornasse notícia: "Era uma informação a nível privado. Teve um efeito que não estava à espera. Se calhar é um sinal positivo da sociedade portuguesa."Inaugurada em 1943 por Karl Buchholz (ver amanhã revista PÚBLICA), a livraria vai ser comprada em Maio por um grupo de sócios liderado pelo actual director-geral, José Leal Loureiro. A actual proprietária, Karin de Sousa Ferreira - que detém 60 por cento do capital, pertencendo o restante a um amigo ( que quer manter o anonimato) -, reconhece que a crise da livraria não está ligada ao mercado: "Por razões nossas, entrámos nesta situação." Um empréstimo ao banco para obras de recuperação e instalação de um sistema informático, a compra de parte da livraria, dívidas à Segurança Social, à Administração Fiscal e aos fornecedores são algumas dessas razões. "As vendas desceram porque deixámos de ter oferta, de ter livros novos." Para o futuro proprietário, "a livraria não se soube adaptar às novas condições de mercado".
Loureiro, que entrou em funções no início de Janeiro, quer reforçar o capital da empresa com a entrada de novos sócios, renegociar créditos, alargar o horário de abertura (desde segunda-feira que o fecho passou das 18h para as 19h), vender novos produtos como jornais e revistas e artigos de papelaria. A Buchholz é uma boa aposta porque está bem localizada, tem um bom espaço, clientes fiéis, defende Loureiro. A ideia é ter uma programação cultural (conferências, debates, filmes - a primeira projecção vai ser já a 27 com o documentário sobre as vítimas do holocausto, "Shoah", de Claude Lanzmann), apostar nos livros de fundos e internacionais, recuperar a secção de música e DVD, ter um serviço de encomendas mais rápido do que as livrarias da Internet e abrir um café.

Leitura

PortoOnde se luta contra a circulação muito rápida dos livros

Em Junho a Leitura, no Porto, abriu um "site" na Internet que, segundo Pedro Mata, assessor de gerência, tem sido "um sucesso brutal". Nos últimos cinco meses, "750 clientes foram registados no nosso "site" e o nível de compras diárias é significativo". A página tem mais de 130 mil referências que, embora muito longe dos 4 milhões de entradas da Amazon, têm a vantagem de estar dirigidas ao público português, como, por exemplo, uma busca das obras de Sophia de Mello Breyner pode provar. A Leitura tem também a particularidade de ter uma vasta oferta de livros franceses e ingleses: "A Fnac não é sequer concorrência para nós, pois vende muito poucos livros estrangeiros." Uma consequência directa da abertura das lojas da multinacional foi, diz Pedro Mata, a aplicar um desconto de 10 por cento ao preço de capa das novidades. O assessor lembra ainda que, em termos de oferta, na Fnac e na Bertrand se encontra o mesmo tipo de livros, "a oferta é básica e baseia-se na circulação muito rápida das obras".

Lello

Porto
As vendas subiram
7 por cento

Antero Braga, 36 anos de actividade enquanto administrador da Bertrand, comprou a Lello, uma das mais tradicionais da Baixa portuense, há cerca de dez anos. Na sua opinião, as lojas Fnac que se instalaram em Portugal são idênticas a todas as outras: "O segredo do sucesso é a oferta de um "mix" de produtos, CD, livros, computadores, etc." O livreiro revela terem-lhe dito várias vezes em Paris que, "por acaso, a Fnac também vende livros". E continua: "É capaz de haver algo de verdade nesta afirmação, pois o peso das vendas de livros no montante dos negócios da Fnac francesa anda à volta dos 20 por cento." Antero Braga faz notar que quando a multinacional chegou ao nosso país, "as livrarias independentes já estavam a ser atacadas há muito pelos próprios editores", uma situação que resultou das "exigências das grandes companhias" e cujo resultado é o "inflacionar do preço de venda ao público". A falta de visão de conjunto por parte dos livreiros é assim criticada pelo administrador da Lello: "Falta a capacidade de associação", sublinha. Se existisse, diz, talvez fosse possível criar uma central de compras. Antero Braga chama ainda a atenção para o facto de terem recentemente fechado algumas livrarias na Baixa do Porto, lembrando a Casa do Livro, a Bertrand da Rua 31 de Janeiro, a Editorial Notícia e a Avis: "E vão desaparecer mais, apenas irão restar meia-dúzia, de alta qualidade." Quanto ao efeito Fnac sobre a Lello, ele apenas existiu no ajustamento entre custos e proveitos: "Tínhamos o Café literário, o cartão de fidelidade, a regra do "é proibido proibir" e fizemos sessões de poesia e duas peças de teatro." No último ano, as vendas da livraria aumentaram 7 por cento.

Ler Devagar

LisboaOs livros de fundo são novidade

É uma livraria onde nos podemos sentar, fumar e comer enquanto lemos. Tem um auditório que serve para debates, lançamento de livros, exposições, encontros de poesia. Aberta há seis anos, no Bairro Alto (Rua de São Boaventura), a Ler Devagar não tem o que a maioria das livrarias têm: as novidades das grandes editoras. E quando as tem, não as vende. Exemplo: o livro de Pinto da Costa não vendeu nem um exemplar. "Há um grande investimento nos livros de fundo. A Fnac veio perturbar as livrarias que também se dedicavam a novidades e livros estrangeiros", diz um dos sócios, José Pinho. Referindo que a Ler Devagar abriu ao mesmo tempo que a Fnac Chiado e que não sofre qualquer impacto com a presença da cadeia francesa, José Pinho diz: "A estratégia que ainda seguimos é: se o que oferecemos é de boa qualidade, então os clientes continuam a procurar-nos." Desde que abriram que as vendas têm sempre aumentado. Apesar de ter encontrado o seu nicho de mercado, a Ler Devagar não tem um cliente tipo: é variado, não é jovem - "os jovens passam por cá mas não compram" -, gostam de poesia, a segunda área que mais vende nesta livraria. É por isso que as novidades de alguma editoras, como Assírio & Alvim e Campo das Letras, chegam, por vezes, mais cedo à Ler Devagar do que a outras livrarias. Marta David, professora de Música e poeta, um dos membros de um grupo de poesia que ali se reúne quinzenalmente, percorre várias livrarias na Av. de Roma (Barata, Bertrand, Assírio & Alvim no King) e vai frequentemente à Ler Devagar, "que não é apenas um espaço comercial mas de divulgação dos livros". "É um espaço lúdico para as pessoas aprenderem a estar com os livros."

Ferin

LisboaA que beneficiou
com a Fnac

Às 18h30 a livraria Ferin, na Rua Nova do Almada, fecha as portas. João Paulo Dias Pinheiro - há 20 anos director desta "empresa familiar" fundada em 1840 e onde os livros estão em estantes de madeira maciça - diz que a entrada da Fnac no mercado "foi boa" para as livrarias. Com a desertificação do Chiado depois do incêndio, a abertura da loja atraiu público e a Ferin acabou por beneficiar da localização. Ao mesmo tempo, manteve os seus clientes antigos - "é um público tradicional, com mais de 30 anos, francófono". Para o livreiro há públicos para livrarias como a Portugal, Bertrand, Fnac, Feré... "Se as pessoas encontrarem livros diferentes em cada livraria continuam a circular por várias." A Ferin aposta na importação de livros e no serviço de encomendas. "Procurámos melhorar algumas coisas, desenvolver as secções. Há áreas como a ficção em que é impossível concorrer com a Fnac. Mas há um tipo de livros de fundo e de especialidade que eles não têm." Considerando que se editam demasiados livros em Portugal - "há mais oferta do que procura" -, o livreiro lamenta as mudanças. "As livrarias estão constantemente a receber novidades, não há possibilidade de as trabalhar todas. Cada vez se goza menos o livro. O livreiro tornou-se um gestor do espaço."

Portugal

Lisboa
Onde se oferece atendimento personalizado

Foi fundada há 64 anos, tem dois andares, não foi renovada recentemente mas é ampla e tem luz. Situada na Rua do Carmo, a Portugal sofreu "um grande rombo" com o incêndio nos Armazéns do Chiado. A abertura da Fnac em 1999, quase ao lado, tem "duas leituras", diz o gerente Joaquim Carneiro, que há 41 anos trabalha na Portugal: "É evidente que é uma concorrente muito forte e muito agressiva. Mas trouxe mais público. Mas se fizermos as contas, o público que trouxe foi o mesmo que roubou. Tenho as novidades, mas com aquilo que se publica é impossível tê-las expostas. Só temos para contrapor os 10 por cento de desconto que a Fnac faz e o atendimento personalizado." Hoje passa menos gente nesta rua do que antes de o metro chegar ao Largo do Chiado e livrarias como a Bertrand ou a Sá da Costa estão em situação privilegiada, diz. Em 2004, a Portugal vendeu menos 10 por cento do que no ano anterior.

Sá da Costa

LisboaUm balcão sem
computadores

Com o incêndio dos Armazéns do Chiado em 1988, o comércio da zona atravessou um período de crise, mas o da Livraria Sá da Costa começou antes. O seu último período áureo foi no final dos anos 70, diz o actual proprietário, Manuel Sá da Costa, neto do fundador. Até 2002, as vendas mantiveram-se, mas desde então desceram - de 2003 para 2004 baixaram 25 por cento.Na montra desta livraria fundada em 1913 na Calçada do Combro - em 1943 mudou-se para o Chiado, paredes-meias com a pastelaria Bénard - há uma mistura de livros: da obra completa de António Gedeão a um livro sobre o Benfica. Os livros estão espalhados por duas grandes mesas na entrada, a sinaléctica das áreas temáticas está escrita à mão e não há computadores ao balcão. "Não houve um investimento por razões de ordem financeira. Não estamos economicamente fortes e isto é um ciclo vicioso." O que os distingue, considera, é "manter uma forma tradicional": "Deixar as pessoas à vontade e ter funcionários que possam acompanhar o cliente."

Utopia

PortoO problema verdadeiro foram
os hipermercados

Na Utopia, junto à Praça da República, na Baixa portuense, a abertura das lojas Fnac, em Matosinhos e no Porto, não produziu efeitos negativos. A única consequência directa foi a decisão de fazer um desconto de 10 por cento sobre o preço de capa de qualquer livro, como esclarece Herculano Lapa, responsável pela livraria: "Senti mais problemas quando os hipermercados começaram a investir em livros, há dez anos." Na sua casa, as obras à venda, muitas de fundos de catálogos de editoras independentes - Frenesi, & ETC., Antígona -, dirigem-se sobretudo a um público interessado em temas relacionados com a ecologia, a poesia, a sexualidade, as ciências humanas ou as correntes políticas alternativas, como o anarquismo ou a Internacional Situacionista. Lapa recorda a iniciativa de uma Feira do Livro organizada pelos livreiros tradicionais, no Mercado Ferreira Borges, em resposta ao aparecimento da Fnac: "Em 10 dias vendi tanto como em três ou quatro meses." A incapacidade de criar um modelo associativo é um dos lamentos da Utopia, o qual ainda desmente a existência de uma crise particular na sua área de actuação: "O problema é geral, está na própria sociedade portuguesa." O objectivo de Herculano Lapa é sempre um: "Colocar as pessoas perante uma alternativa a um modelo que já está esgotado." Joana Gorjão Henriques e Óscar Faria

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