"Balas" foi o filme português mais visto em 2004
Inesperadamente, o filme "Balas e Bolinhos: O Regresso", de Luís Ismael, uma produção quase doméstica, estabeleceu um recorde: foi o filme português mais visto em Portugal em 2004.As contas são do Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia (ICAM), que na última actualização do ranking das bilheteiras (de 20 de Dezembro) registava 42.906 espectadores ao fim de 83 dias de exibição - e continua ainda numa sala da Maia, no Grande Porto.Produzido à margem de qualquer apoio institucional, o filme, uma sequela de "Balas e Bolinhos", de 2000, não teve qualquer publicidade e passou ao lado dos críticos de cinema. Sem rede de promoção, o sucesso foi resultado do passa-palavra entre espectadores. Por isso, é visto como um feito considerável para um filme amador. Mas Luís Ismael contesta esta caracterização. "Amador, o tanas! Este filme só teve seis cópias e fez o que fez.""As balas são as barbaridades que saem pela boca, é a pirotecnia verbal", e os bolinhos são "um dos melhores ícones da cultura portuguesa", explica o realizador, produtor e actor. "É o regresso porque, pela primeira vez no cinema português, um filme tem uma sequela.""Balas e Bolinhos: O Regresso" custou 150 mil euros - e já rendeu 164 mil (até 8 de Dezembro). Balanço positivo na contabilidade, coisa rara no cinema português, onde nenhum filme se paga com a receita de bilheteira. São sempre precisos apoios. "Dos do costume, como se sabe, o ICAM não deu um centavo", diz Luís Ismael, nem a Câmara Municipal de Valongo - onde o realizador nasceu e onde "foi rodado 80 por cento do filme" -, nem o Governo Civil do Porto, nem o Instituto Português da Juventude. Por isso, "em desespero", Ismael hipotecou a sua casa.Mas as dificuldades não se ficaram por aqui. "Muitas pessoas criticaram o filme e nem sequer o viram", diz o realizador. Agora está apaziguada a revolta que sentiu por se ter visto "catalogado, pelo preconceito atroz": "Rotularam por baixo, pelo sotaque, pela linguagem, até pelo cartaz!"O efeito SIC RadicalSó a SIC Radical apoiou o filme. Pedro Costa, do canal por cabo, assegura que manterá o apoio, porque "foi uma experiência fabulosa, com um fantástico 'feedback' em antena". Fizeram-no por ser um projecto alternativo? "Não se trata de terem aberto um espaço novo; aquela equipa tem muita criatividade, não ficou à espera de dinheiro, e é com isso que se rompe com o tradicional", diz Pedro Costa, considerando que "o sucesso do filme tem pouco a ver com o ser do Norte - é mais a forma que importa".Mas o "fenómeno 'Balas'" foi sobretudo nos cinemas do norte do país, e particularmente no Grande Porto - Gondomar, Maia e Gaia (a sul, esteve em Almada).No AMC/Arrábida Shopping (Gaia), onde se manteve mais tempo em cartaz, "o filme começou numa sala pequena e depois mudou-se para uma maior, logo nos primeiros dias, pela muita afluência, chegando a esgotar muito mais cedo do que o previsto", explica Carlos Abrunhosa, responsável de operações daquele multiplex. Na aventura também alinharam salas de Braga e Vila Real, desenhando assim um sucesso nacional num mapa regional.Luís Ismael lamenta que assim seja. "A [distribuidora] Lusomundo disse-nos que se calhar funcionava bem no Porto. Eu discordo, porque dava bem no país todo". E replica a caracterização "regionalista": "Temos de aturar os filmes de Lisboa, e ninguém questiona quando dizem 'piqueno'".Mundo suburbanoMário Dorminsky, director do Fantasporto, recorda as circunstâncias da estreia de "Balas e Bolinhos" no festival de 2000: "O filme não era tão amador quanto isso, tinha potencial de 'broadcasting', e por isso o seleccionámos." O sucesso de então fê-lo chegar aos ecrãs da SIC Radical. Foi o primeiro momento de reconhecimento que gerou mesmo, por exemplo, a criação de um clube de fãs."Gostei tanto das personagens, que quis dar-lhes continuidade", diz Luís Ismael. Tone, Culatra e Bino são figuras tipicamente nortenhas que sobrevivem de expedientes no mundo suburbano. Mas são algo mais do que personagens. "Tal como o cozido à portuguesa, também há criminosos à portuguesa, com o desleixo, o feito à última da hora", diz o realizador. Dorminsky vê o novo "Balas" como "um filme honesto e despretensioso, mais profissional do que o primeiro". Elogia a coragem de Ismael e da sua equipa, mas crê tratar-se de um "fenómeno isolado".