Sonho ingénuo e voluntarista de cinema "comercial" exportável (era por isso, Fragata explicou, que os diálogos se diziam em inglês), não tinha muito mais ideias para além de exibir Diogo Infante e Catarina Furtado estrada acima estrada abaixo, numa "estética do plano de ligação" levado às suas mais drásticas consequências, com uns banhos e uns beijos pelo meio para condimentar. Mesmo assim alcançou, dizem os números, a extraordinária soma de 185 mil espectadores.
Fernando Fragata voltou agora, com "Sorte Nula", desta vez falado em português (talvez porque "Pesadelo Cor de Rosa" se tenha exportado muito ou talvez porque se tenha exportado pouco, não sabemos). Não mostrou o filme à imprensa, algo que não sendo seguramente inédito é raro, e faz sentido. Que tinha ele a ganhar com isso? Outra revoada de bolas pretas que fica mal na pintura mas nunca foi impedimento à deslocação de 185 mil almas a uma sala de cinema? Fernando Fragata parece saber bem o que fez e para quem o fez, procura um público sem confiança nos críticos (por norma, como se sabe, "pseudo-intelectuais"), um público que não ligue muito a jornais mas que navegue na Internet e veja muita televisão, os dois veículos fundamentais de uma campanha promocional cujo "hype" começou há meses.
Vai-se então a uma sala comercial ver "Sorte Nula" com a sensação de que se está a meter onde não se é chamado. E, sejamos honestos, temendo o pior. Contudo, precisamente pelo ponto de referência de "Pesadelo Cor de Rosa", as surpresas acontecem. Desta vez há uma narrativa, tosca, mas uma narrativa: uma espécie de variação escolar sobre o modelo de "Rasho-mon" (uma personagem aparece morta e serão precisas várias reconstituições do acontecimento para que se esclareça o que se passou), logicamente sem as preocupações reflexivas e metafísicas de Akira Kurosawa, à mistura com inúmeros imbróglios sentimentais; há personagens, que pouco passam a caricatura, mas há personagens, e não apenas vedetas (que no entanto abundam, de Rui Unas a Zé Pedro) em expositor; há montagem, guiada pelo estardalhaço e pela agitação, mas montagem. Não chega a ser um bom filme, mas é muito mais parecido com um filme do que "Pesadelo Cor de Rosa", cuja indigência só é revisitada a espaços: na cena de strip-tease mais idiota e gratuita da história do cinema (português, pelo menos), e no epílogo inenarrável, onde quase se vislumbra a existência de um "segundo grau" que quisesse fazer uma caricatura de "happy end".
Que mais dizer? Que há aqui uma candura que é quase comovente? Um voluntarismo cuja ingenuidade chega ser constrangedora? Uma obsessão "comercial" e "anti-intelectual" que inspira mais compaixão do que uma reacção de repúdio violenta? Mas isto é o essencial do "fenómeno Fernando Fragata", talvez justifique alguma coisa.