Os novos habitantes das repúblicas de Coimbra
"Em Itália vivia com dez pessoas e repartíamos tudo, mas aqui é diferente. Temos de fazer tudo isso com uma consciência diferente", conta Martina Marzagalli, uma estudante italiana que está em Coimbra, ao abrigo do programa Erasmus, e escolheu a República Marias do Loureiro para viver. Martina está nas "Marias" há um mês e já sabe que elas "têm as coisas bem definidas em termos ideológicos e políticos". "As pessoas ou se encaixam ou não", explica Cátia Melo, que vive naquela república há cinco anos.Os estudantes que procuram estas casas - conhecidas por "repúblicas" - aprendem rapidamente que isso implica um compromisso com o espírito comunitário e com os valores que cada uma delas defende. Não se é "repúblico" mal se entra na casa, e em algumas repúblicas os candidatos não têm voz no chamado Conselho de Repúblicas (ver Perguntas & Respostas). No início de mais um ano lectivo, é o que estão a descobrir Martina, Paolo, Ricardo e Ângela.Martina ouviu falar das repúblicas em Itália, através de um amigo e de um professor. Se ela passar a "república", daqui a um ano levará para Itália mais qualquer coisa do que recordações de Coimbra - um novo nome: Maria do Loureiro. "Aqui há luta, há ideias", afirma.As convicções das "Marias" - como são conhecidas as estudantes que vivem naquela república - estão espalhadas pelas paredes. Entre cartazes alusivos a causas feministas, há espaço para a luta estudantil e outras preocupações políticas. Estão sempre alerta: um amigo entra na cozinha e dá a notícia da vitória de Bush. Elas não querem crer. Têm faixas penduradas na varanda, manifestam-se. Neste momento, devido ao contexto de luta estudantil, na faixa lê-se: "Porquê festejar, se é tempo de contestar e reivindicar? Todos para a rua". Cada "Maria" tem a sua personalidade, mas há coisas que as candidatas devem saber quando escolhem a Rua do Loureiro para morar: "Esta casa é sensível à causa feminina e manifestamo-nos na rua a favor do aborto. Somos feministas e contra a praxe. Não aceitamos traje, código da praxe, nem desfiles-'pimba' da praxe", sublinha Cátia, estudante de Antropologia.Para se ser uma "Maria", primeiro tem de se ser candidata a comensal. Depois do período de refeições, se houver vaga em casa, a interessada pode candidatar-se a ser uma delas. A partir daí vai ficando, até ao dia em que, por unanimidade, passa a "república". "Não bati à porta, entrei..."Na República dos Fantasmas também há regras, mas diferentes. Nesta casa de homens, é preciso frequentar a república antes de ser aceite como candidato. Depois, por unanimidade, decidem integrá-lo na casa, onde tem ainda um período mínimo de seis meses até ser "repúblico". Mas, segundo Lázaro Alves, que ali vive há dez anos, para se ser "fantasma" só se tem de ser "boa pessoa". Uma condição aparentemente cumprida por Paolo Cialini. Quando chegou a Coimbra, este estudante de Bolonha ouviu falar das repúblicas. Como normalmente estas casas têm a porta aberta, para Paolo foi "fácil": "Não bati à porta, entrei", diz, rindo."O que é interessante nas repúblicas é que todas são diferentes, umas mais interventivas, outras menos. A nossa é quanto baste", comenta Lázaro. Ao contrário do que acontece nas "Marias", ali é indiferente a cor política. E os candidatos respeitam a hierarquia interna. "Quem está cá há mais tempo tem o privilégio de escolher o quarto. E há coisas que o caloiro tem de aprender - se caiu um cinzeiro, é ele que o apanha", exemplifica Lázaro, que defende que esse tipo de regras ajuda a combater o individualismo. "Ir viver para uma república implica ter em conta a própria história das repúblicas", adverte Tânia Madureira, habitante da República do Bota-Abaixo há um ano e meio. Na avaliação dos candidatos, pesa a vontade que mostram de "manter essa história em termos da cidade e da vida universitária" e, no caso da Bota-Abaixo, é essencial o espírito comunitário e de partilha. Esta é uma casa mista e assim se explica que hoje se encontrem naquele espaço, como candidatos a repúblicos, Ricardo Vieira e Ângela Carvalho. Ricardo Vieira está em Coimbra há três anos e decidiu, este ano, ir para uma república. Chegou à Bota-Abaixo há dois meses, por intermédio de João Baía, já da casa, e acredita que estes meses já valem pelos anos anteriores. O processo de integração ainda está em curso. "Comem cá uma semana ou duas, depois os repúblicos reúnem-se e, se aceitam a pessoa como candidata, passa a morar cá". A partir daqui, "o tempo de adaptação não é rígido, pode demorar um mês ou nove meses até se ser 'repúblico'", explica José Miguel Balça, a residir na Bota-Abaixo há ano e meio. Ângela Carvalho, que está em Coimbra há cinco anos, também é ainda candidata. "Comecei a olhar para trás e queria participar em algo mais, queria criar laços", diz. Depois de viver num quarto e de partilhar um apartamento, enumera características que a atraem numa república: "As pessoas que se conhecem, as discussões à noite, os serões, a troca de ideias...". Faz uma pausa e conclui: "Cria-se uma família"."Esta casa é sensível à causa feminina e manifestamo-nos na rua a favor do aborto. Somos feministas e contra a praxe. Não aceitamos traje, código da praxe, nem desfiles-'pimba' da praxe", sublinha Cátia, estudante de Antropologia."Quem está cá há mais tempo tem o privilégio de escolher o quarto. E há coisas que o caloiro tem de aprender - se caiu um cinzeiro, é ele que o apanha", exemplifica Lázaro que defende que esse tipo de regras ajuda a combater o individualismo.