Esporão mostra vestígios da vida e morte nos Perdigões
A torre da Herdade do Esporão, no concelho alentejano de Reguengos de Monsaraz, exibe desde ontem uma parte dos vestígios arqueológicos do antigo povoado dos Perdigões. A exposição lança luz sobre a vida e a morte de uma comunidade camponesa com mais de cinco mil anos.A torre branca usada como símbolo pela Herdade do Esporão encontra-se rodeada de vinhedos a perder de vista. O monumento, recuperado para funcionar como espaço nobre de entrada na vasta propriedade agrícola da Finagra, possui agora no piso térreo um núcleo expositivo com vestígios vindos do complexo arqueológico dos Perdigões, numa outra herdade da empresa.A estação arqueológica encontrava-se identificada desde 1983, mas só os trabalhos desencadeados em 1996 para a plantação de uma nova vinha permitiram perceber a dimensão do antigo povoado. A empresa de José Roquette, em vez de tapar os vestígios, como ontem salientou o empresário, contratou uma empresa especializada para a realização de escavações de emergência, o que resultou na confirmação da importância dos achados.Os trabalhos permitiram delimitar a área do antigo povoado, numa extensão de 16 hectares, 12 dos quais se situam na Herdade dos Perdigões. O Instituto Português de Arqueologia - que também tem financiado as escavações - considerou o sítio como "reserva arqueológica" e a empresa desistiu de qualquer aproveitamento agrícola do espaço. Isto apesar de os solos serem de elevada qualidade para aproveitamento vitivinícola.Se a área se perdeu para a produção de mais umas largas pipas de vinho, José Roquette destacou, por seu lado, a importância dos vestígios arqueológicos para a preservação do património local. "Não é desejável que qualquer aproveitamento turístico não tenha em conta a salvaguarda da componente cultural", defendeu o empresário. E não se coibiu de sublinhar que o investimento na região alentejana só faz sentido se contrariar a prática seguida por "algum turismo algarvio".Era gente dos PerdigõesA exposição - considerada como "temporária" e a génese de um futuro museu, quando for possível visitar as escavações com os arqueólogos concentrados no seu meticuloso trabalho - encontra-se montada em quatro módulos, numa aproximação à estrutura do povoado. Logo à entrada, o visitante é convidado a perceber o contexto de "uma 'metrópole' do terceiro milénio a.C.", com a instalação das primeiras populações agrárias. A arquitectura dos Perdigões assentava numa planta circular, estruturada por grandes fossos, com o cemitério numa área determinada área, associado a um recinto cerimonial no exterior.No espaço dedicado a "uma comunidade camponesa" são exibidos artefactos recolhidos nas escavações, que dão uma ideia de como seria a relação das populações com a simbologia do lugar e a vida numa sociedade rural de então. A partir do final do período Neolítico, desenvolveram-se na Península Ibérica redes de circulação de pessoas e produtos, como atestam os vestígios de trocas com locais muito distantes como a região de Lisboa e o Mediterrâneo. Numa vitrina desta "sala" encontra-se exposta a minúscula representação (talhada em osso) de uma lebre usada para logótipo do complexo arqueológico.A área sobre "a morte" esclarece sobre as tradições megalíticas peculiares destes camponeses neolíticos. Os sepulcros, com uma arquitectura que dispensa as grandes pedras, aparecem agora associados ao povoado, numa necrópole bem delimitada e individualizada. O último espaço, relacionado com "os mortos", apresenta objectos de carácter pessoal e religioso, que acompanhavam os esqueletos trasladados de outros locais para os sepulcros escavados nos Perdigões, que se assemelham a ossários colectivos.O arqueólogo Miguel Lago, da empresa Era-Arqueologia, responsável pelas escavações nos Perdigões, contou que os vestígios expostos não são apenas objectos, mas também "uma interpretação" sobre o passado, passível de ser alterada no futuro, com outros meios de investigação. O núcleo exibe 208 peças dos cerca de 30 mil artefactos e fragmentos recolhidos nas escavações. A Era-Arqueologia apresentou uma proposta ao Instituto Português do Património Arquitectónico para a classificação do complexo como Monumento Nacional e tem vindo a desenvolver com a Câmara de Reguengos de Monsaraz a caracterização das normas de protecção do sítio, no âmbito do Plano Director Municipal. Até porque essa protecção justifica-se pelo facto de se estar a estudar as antigas populações da zona, como realça um artigo publicado na revista de estudos arqueológicos da Era-Arqueologia: "Os mortos que estudamos foram gente dos Perdigões."