Piolhos podem dar pistas sobre a evolução humana
Pode dizer-se que uma equipa de cientistas norte-americanos apresentou uma nova visão sobre a evolução do homem a partir do cimo da cabeça. Ou seja, dos piolhos. Apesar de provocarem muita comichão, os piolhos podem dar pistas sobre a evolução do homem moderno, a espécie a que pertencemos. A equipa, da Universidade de Utah, nos EUA, mostra como os piolhos evoluíram com os indivíduos que infestavam e como algumas espécies de hominídeos, já extintas, estiveram em contacto directo com os nossos antepassados, há cerca de 25 mil anos, pela transmissão destes parasitas."O conhecimento mais longínquo que podemos obter do nosso passado está nos nossos parasitas", disse o antropólogo Alan Rogers, da Universidade de Utah, um dos autores do estudo publicado na revista "PLoS Biology". De facto, pode usar-se os parasitas para investigar a evolução histórica dos seus hospedeiros, uma vez que completam todo o ciclo de vida nesse corpo. O piolho está intimamente ligado ao seu hospedeiro, tanto ao nível ecológico como da evolução temporal, e só se transmite pelo contacto físico com outro hospedeiro, sublinharam os cientistas.A equipa analisou o aspecto físico e o material genético dos piolhos no homem moderno, de forma a construir a árvore genética dos parasitas. Estes dados permitiram perceber qual foi a evolução do piolho corporal, da espécie "Pediculus humanus", que poderá ser usado para inferir o que aconteceu com a evolução dos humanos. Os resultados indicam que os humanos modernos - "Homo sapiens sapiens" - eram susceptíveis a apanhar dois tipos de piolho geneticamente diferentes. Um dos tipos podia ser encontrado por todo o planeta, e evoluiu nos antepassados da nossa espécie. O outro tipo só existia na América, e terá evoluído noutra espécie de hominídeo, provavelmente o "Homo erectus", e depois passou para o "Homo sapiens". Porém, os cientistas especulam sobre a forma como foram propagados os parasitas. "Pode ter sido através de lutas, troca de roupas, actos de canibalismo ou mesmo por procriação", frisou o principal autor do estudo, David Reed, da Universidade da Florida, citado pela Reuters."Os dois tipos de piolhos são geneticamente distintos, portanto tiveram de evoluir isolados um do outro", explicou o biólogo Dale Clayton, da Universidade de Utah. "Estiveram longe um do outro mais de um milhão de anos."Segundo Dale Clayton, uma explicação plausível para esta distância temporal é um dos tipos de piolho ter saído de África com o "Homo erectus", há cerca de 1,5 milhões de anos. E o outro tipo de piolho ter evoluído no "Homo sapiens", que apareceu há cerca de 150 mil anos. O que explicaria as diferenças morfológicas e genéticas dos dois tipos de piolho "Pediculus humanus", revelando ter tido duas linhagens evolutivas distintas. Os dois tipos de piolho podem ainda encontrar-se hoje em dia, o que sugere que, depois de a linhagem que infestou o "Homo erectus", já extinto, acabou por se espalhar para o "Homo sapiens".Desta forma, a investigação pretende mostrar a coexistência, tanto espacial como temporal, entre várias espécies de hominídeos. Dale Clayton sugere mesmo que "há provas claras" de contacto entre o "Homo sapiens" e o "Homo erectus", apesar de haver quem defenda a extinção deste último hominídeo há 400 mil anos. "Pensava-se que o 'Homo erectus' estava extinto há centenas de milhares de anos. No entanto, conseguimos verificar que o 'Homo sapiens' poderá ter estado em contacto com o 'Homo erectus' na Ásia há 50 mil anos", afirmou Dale Clayton."As crianças de hoje apanham os piolhos que evoluíram nas duas espécies de hominídeos. Uma delas levou ao nosso aparecimento. A outra extinguiu-se", resumiu Clayton. Este estudo pode ser mais uma acha para a famosa controvérsia sobre o aparecimento do homem moderno. As duas correntes - "Out of Africa" e a teoria multi-regional - apenas concordam num ponto: a origem do homem moderno está em África. Mas a primeira defende uma origem única do homem moderno, que saiu de África há 130 mil anos se espalhou pelo mundo, ao ponto de substituir todas as outras espécies de hominídeos, nomeadamente os Neandertais na Europa e no Médio Oriente, sem que tivesse havido procriação entre elas. A teoria multi-regional defende que o homem moderno surgiu em várias zonas da Terra a partir do "Homo erectus", e foi este que saiu de África. Defende ainda que os Neandertais também contribuíram para o aparecimento do homem moderno.Na interpretação da equipa, a análise dos genes dos piolhos reforça a teoria "Out of Africa", desde que se assuma algum contacto entre os humanos modernos e as outras espécies mais antigas. Assim, os cientistas defendem que o "Homo sapiens" cresceu rapidamente depois de um pequeno grupo ter partido de África. No entanto, Dale Clayton admite que estas conclusões baseadas na ligação dos piolhos à evolução humana são "muito especulativas": "Podemos estar errados, mas este é o cenário mais credível."Também o arqueólogo João Zilhão, da Universidade de Lisboa, duvida que se possa extrair dados conclusivos sobre a evolução do homem moderno com o ADN dos piolhos. "Esta questão do contacto de espécies diferentes de hominídeos é muito controversa, uma vez que não há uma boa caracterização e fundamentação das teorias", comentou ao PÚBLICO.