Bob Dylan conta as suas memórias
Quando, no Outono de 1961, um jovem cantor de folk quase recém-chegado a Nova Iorque começou a fazer notar o seu nome, Bob Dylan, para trás tinha já ficado a identidade do discreto rapaz do Minnesota - Robert Allan Zimmerman (n. Duluth, 1941). Não é que ele não sonhasse continuar a ter uma vida normal, mas os fãs começavam a não o deixar em paz, e a tentar mesmo entrar na sua casa pelo telhado. A partir daí, a sua vida não mais conseguiu fugir à notoriedade. Mesmo que ele insistisse em não querer ser porta-voz dos "hippies" ou de qualquer movimento geracional. "Ninguém gosta de ser definido por aquilo que os outros pensam", disse (ver caixa). Agora, mais de quatro décadas passadas e dedicadas à música, Bob Dylan, de 63 anos, resolveu como que ajustar contas com o passado e contar a sua própria história, na primeira pessoa. Assim nasceu "Dylan's Chronicles", um livro "sem metáforas nem simbolismos", como nas músicas, "para não levar a interpretações erradas". O primeiro de três volumes das suas memórias, no qual conta os primeiros anos da sua carreira, tem lançamento agendado para amanhã nos Estados Unidos, mas também no Reino Unido e na Dinamarca. Ainda em Outubro, seguir-se-á a publicação de "Lyrics: 1962-2001", uma versão actualizada de quase todas as letras das suas canções.Na sua autobiografia - o livro mais esperado pelos historiadores do rock desde a "Antologia" dos Beatles -, Dylan conta e reflecte sobre a notoriedade que se lhe colou depois do sucesso de canções de protesto como "Blowin' in the wind" e "The times they are a-changing". O "cantautor" tinha apenas 20 anos quando gravou o primeiro disco, com o seu nome no título - "Bob Dylan" (1962) -, e que denotava uma mistura de blues e folk. Mas foi com "The Free Wheelin' Bob Dylan", lançado um ano depois, que definitivamente se impôs no mundo do folk. Canções como "Blowin' in the wind" ou "A hard rain's a-gonna fall" embalaram os fãs. Mas depressa tudo se tornou num pesadelo para Dylan.Em defesa da famíliaO cantor, que sempre fez gala de preservar a sua vida pessoal, chegou a trancar-se em casa, na qual possuía armas, com receio de ataques de "hippies" fanáticos, situação que, diz, prejudicou o seu processo criativo. Segundo uma entrevista dada à revista "Newsweek" (26 de Setembro), Dylan sonhava apenas "ter uma vida normal, e poder levar os filhos à escola". Mas, nesses anos de frenesim, os fãs e a fama tornaram a sua vida num inferno, conduzindo o cantor a uma crise de nervos. Referindo que se sentia como um manequim na vitrina de uma loja, Dylan diz ainda que se via "como um pedaço de carne atirado aos cães", culpando a imprensa por lhe ter colocado o rótulo de "porta-voz", e até "da consciência de uma geração que mal conhecia".A felicidade e a paz interior só chegaram nos finais dos anos 70 e inícios de 80, altura em que diz ter encontrado a vida simples que sempre perseguiu: "Festejar os aniversários, acompanhar os meus filhos à escola, as férias no acampamento, no barco, a canoa, e pescar". No primeiro volume das "Crónicas", Dylan realça a importância que atribui à família. "Mesmo acontecimentos terríveis, como os assassinatos de Kennedy, de Martin Luther King ou de Malcolm X, não os vi como mortes de celebridades, mas principalmente como pais que deixaram as famílias destroçadas".Não é a primeira vez que Dylan escreve um livro. Já em 1971 tinha publicado uma colecção de poemas, "Tarântula". Segundo o jornal francês "Le Monde", o cantor é a personalidade do rock que mais se aproximou da literatura. Agora, a autobiografia do cantor, de 304 páginas, é publicado pela editora nova-iorquina Simon & Schuster, e é descrita pelo editor David Rosenthal como "maravilhosamente escrito", "extraordinário e revelador". Já foram editados vários livros e biografias sobre Dylan - uma delas descreve-o como alguém obcecado pela privacidade e que obteve a fama explorando os colegas. O cantor comenta assim esses livros: "Já li alguns deles; uns são mais exactos do que outros. Mas ninguém conhece toda a história como eu". Uma história que nos vai agora contar, na primeira pessoa."Dylan's Chronicles - Vol. I"Autor: Bob DylanEditor: Simon & Schuster (Nova Iorque)Preço: $24.00 (Estados Unidos), £51,99 (Reino Unido.), 26,99 euros (Dinamarca)