As sete vidas de "Cats"
Há uns anos atrás, quem quisesse ver o musical "Cats", de Andrew Lloyd Webber, tinha que se deslocar até Londres ou Nova Iorque. Hoje, é o musical que viaja até às pessoas. Esta é a segunda vida de "Cats", o espectáculo que chega agora a Portugal, pela primeira vez. E que ficará em cena no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, a partir da próxima quarta-feira, 6 de Outubro, até 13 de Novembro, sendo apresentado na versão original inglesa, com legendas em português. Dos actores que irão estar em Portugal, nenhum deles fez parte do elenco original."Cats" despediu-se do New London Theatre, em 2002, no dia em que completava 21 anos em cena. A retirada, conforme foi então adiantado pela imprensa britânica e internacional, deveu-se à diminuição do fluxo de turistas, devido aos atentados de 11 de Setembro, em Nova Iorque. "As salas ainda tinham muita audiência, mas este é um espectáculo muito caro. Chega-se a um ponto em que as margens de lucro não fazem mais sentido. Mas quando 'Cats' acabar irá assumir toda uma nova vida", disse o produtor executivo do espectáculo, Nick Allott, aquando da última apresentação em Londres.Agora, "Cats" interrompeu uma digressão pelo Reino Unido para vir a Portugal. Paulo Dias, responsável pela produtora de espectáculos UAU, revelou que as negociações com os produtores para trazer o espectáculo a Lisboa foram longas. "Por fim, conseguimos fazer com que eles acreditassem em Portugal. A partir de agora, ninguém vai parar os 'gatos'". Uma história baseada em T.S. EliotDe facto, desde a estreia no New London Theatre, em Maio de 1981, que os "gatos" não têm parado. "Estreámos com metade do investimento em falta e com uma segunda hipoteca sobre a minha casa", disse Andrew Lloyd Webber numa entrevista. A história de "Cats" é baseada em 14 poemas de T.S. Elliot, extraídos da obra "Old Possum's Book of Pratical Cats". Cada um dos poemas define um tipo de gato e opera uma sátira à sociedade inglesa, que se torna óbvia no fim da peça, quando o Velho Deuteronomy se dirige à plateia e diz: "Pelas suas qualidades e diferenças únicas, os gatos são muito parecidos convosco." Acrescentada à actualidade da história que é contada, a originalidade dos cenários e dos figurinos assegurou o sucesso imediato do espectáculo."A coreógrafa Gillian Lynne aceitou a tarefa hercúlea de transformar seres humanos em gatos que dançam, tarefa essa, penso que o posso revelar agora, que já tinha sido recusada por um famoso coreógrafo americano", disse Andrew Lloyd Webber, numa entrevista. O elenco original era constituído por Elaine Page e Brian Blessed, nos papéis principais, e Paul Nicholas, Wayne Sleep, Sarah Brigtman (com quem Webber viria a casar), Bonnie Langford, Marlene Danielle e Susan Powers.Um ano depois, o musical atravessou o Atlântico com destino à Broadway, onde recebeu sete Tony, os Óscares do teatro, incluindo os de Melhor Musical e de Melhor Encenação. O sucesso valeu a Webber a fama de ter reanimado um género que agonizava claramente de dia para dia devido à pouca afluência de público aos teatros. "'Cats' salvou a Broadway", escreveu o diário "New York Post", aquando da despedida do espectáculo da Broadway.Cinquenta milhões de espectadoresDurante 18 anos em Nova Iorque e 21 anos em Londres, o musical atraiu cerca de 50 milhões de espectadores. O espectáculo revelou-se um estrondoso sucesso comercial, e tornou Webber um produtor milionário e famoso. No total, "Cats" facturou cerca de 2,2 biliões de euros - uma verdadeira mina de ouro dos musicais.O público português também não resistiu ao fenómeno "Cats": a elevada procura de bilhetes provocou o prolongamento da estadia do musical, por duas vezes, em duas semanas. A oito semanas da estreia no Coliseu dos Recreios, 70 mil bilhetes já tinham sido vendidos. A produtora UAU decidiu ainda realizar quatro sessões extras, nos dias 20 de Outubro e 4, 9 e 11 de Novembro.Esta euforia não é recente. "Cats" e a maioria dos outros musicais de Andrew Lloyd Webber têm tido um sucesso estrondoso junto do grande público, embora sejam completamente ostracizados pelos críticos de teatro e dança. A que se deve então o sucesso de "Cats": à qualidade do espectáculo ou a um esforço inteligente de marketing? "A originalidade de 'Cats' e o facto de se destinar a todos os públicos fez com que o musical tivesse tanto sucesso. Além disso, as canções são de um livro fascinante de um dos maiores poetas do mundo - T.S. Elliot. Acho que é um bom espectáculo", diz o encenador Filipe La Féria, que considera o seu percurso algo semelhante ao de Andrew Lloyd Webber, que "começou nos teatros pequenos e acabou nos grandes". Já o publicitário brasileiro Edson Athaíde, responsável, por exemplo, pela publicidade da campanha política que deu as duas maiorias ao PS de António Guterres, e também por campanhas da Telecel, afirma que "o marketing, no caso de um espectáculo como o 'Cats', se retroalimenta, sendo o tempo de permanência em cartaz que permite aferir a qualidade do espectáculo. Isto faz as pessoas pensarem que o musical é bom, senão não estaria tanto tempo em cartaz - é uma 'pescadinha-de-rabo-na-boca'". Athaíde viu o espectáculo na Broadway e confessa não ter gostado dele, apesar de apreciar muito o género. "Achei o 'slogan' 'Now and Forever' uma ameaça. Mas funciona, porque se você não viu, você é que perde, porque até o seu vizinho já viu. É quase uma espécie de praga"."O Fantasma da Ópera" foi o maior êxito"Cats" não foi o único êxito comercial de Lloyd Webber. O seu primeiro musical, "Joseph and the Amazing Technicolor Dreamcoat" (1968), baseado num conto bíblico, trouxe alguma notoriedade ao compositor britânico. A ópera rock "Jesus Christ Superstar" (1970) e o musical "Evita" (1976) sobre a vida da mulher do presidente argentino Juan Péron, consolidaram a sua carreira de produtor. Em 1986, Webber produziria o seu maior êxito, "O Fantasma da Ópera", o espectáculo mais bem sucedido do século XX, com cerca de 2,4 biliões de euros em receitas de bilheteiras em todo o mundo, ultrapassando megaproduções de Hollywood como "A Guerra das Estrelas", "Titanic" ou "E Tudo o Vento Levou". Nos anos que se seguiram, uma peça assinada por Lloyd Webber tinha a exportação para a Broadway e vários anos em exibição garantidos. O compositor parecia ter descoberto uma receita mágica para o sucesso comercial das suas produções, o que lhe permitiu erigir um império poderoso com a criação do The Really Usefull Group, uma companhia internacional de entretenimento que se tornou, em Janeiro de 2000, proprietária dos 13 teatros londrinos mais célebres, incluindo o London Palladium, o Theatre Royal Drury Lane, o Garrick e o Palace. Todavia, os últimos musicais de Lloyd Webber não tiveram o sucesso de outrora: "Aspects of Love" (1989), "Sunset Boulevard" (1993) e "Whistle Down the Wind" (1998) não estiveram mais do que quatro anos em exibição. No passado dia 15 de Setembro, Webber estreou em Londres um novo musical, "The Woman in White", num clima de grande expectativa por parte dos críticos, que auguravam a perda do "toque de Midas" do compositor. O diário britânico "The Guardian" considerou a banda sonora do musical como a melhor de Andrew Lloyd Webber nos últimos anos, mas criticou o "libreto impossível" da peça."Cats"de Andrew Lloyd WeberLISBOA Coliseu dos Recreios. R. das Portas de Santo Antão. Tel. 213240580. De 6 de Outubro a 13 de Novembro. Bilhetes de 30 a 75 euros. Reservas pelo tel. 210036300.