Clássicos PÚBLICO
Nos próximos meses, o passado vai voltar a estar bem presente. E a "culpa" é toda dos Clássicos Público, a nova colecção de DVD que o PÚBLICO vai lançar a partir de 7 de Outubro.A proposta é a seguinte: 20 quintas-feiras, 20 clássicos, exemplares ilustres do que melhor se fez em Hollywood durante as décadas de 30 a 50, a chamada idade de ouro do cinema americano.Trocando por miúdos, uma viagem ao passado com paragens em obras emblemáticas de alguns dos maiores cineastas de todos os tempos - Alfred Hitchcock, Orson Welles, Howard Hawks, John Ford, George Cukor -, na companhia de estrelas tão reluzentes como Katharine Hepburn, Cary Grant, Henry Fonda, John Wayne, Fred Astaire ou Ginger Rogers.O início já diz tudo: "O Mundo a Seus Pés", de Orson Welles, invariável número 1 nas listas de melhores filmes de sempre.Século XX, anos 30 a 50: destino de uma máquina do tempo semanal prestes a entrar em funcionamento. Para levar os passageiros a visitar um período que ficou conhecido como a época dourada da 7ª arte. Porquê? Tal como uma criança se transforma em adulto, também o cinema, após os primeiros passos de aprendizagem e crescimento, atingiu a maturidade, uma fase da "vida" em que ficaram inscritas as coordenadas que iriam nortear todos os desenvolvimentos posteriores. A essa fase correspondem as décadas de 30, 40 e 50, responsáveis por um avanço radical na evolução técnica e artística do discurso cinematográfico e pela fixação dos códigos e convenções que, nos mais variados géneros, continuam hoje a ser trabalhados. Conclusão óbvia: sem a inestimável herança do cinema clássico, dificilmente se poderia falar hoje em modernidade. Como disse um dia Martin Scorsese, referindo-se a mestres do passado como Ford, Welles ou Billy Wilder, "tudo o que fazemos agora, já eles fizeram antes". Por isso mesmo, não admira que a argúcia, o estilo, a destreza e a elegância de grande parte dos filmes desse tempo permaneçam ainda inigualáveis. Foi a época da solidificação e aperfeiçoamento das revoluções do som e da cor, ao mesmo tempo que se definiram e cristalizaram as características definidoras de cada um dos diversos géneros cinematográficos - do drama ao filme de guerra, passando pela comédia ou o terror, apenas para citar alguns -, através do estabelecimento de regras e motivos fundadores. Como pensar, por exemplo, no "western", sem nos lembrarmos de Ford? Ou no "thriller" e em Hitchcock?Foram também os tempos do apogeu do "studio system". Os estúdios dominavam por completo os destinos dos seus projectos, exercendo a sua influência nas várias etapas do processo produtivo, cada um associando-se a um determinado tipo de filmes e capitalizando nos diferentes realizadores e actores que mantinha sob contrato. No entanto, e esta é uma pequena grande diferença em relação à indústria de cinema americana dos nossos dias, não obstante os naturais objectivos comerciais, subsistia a preocupação (actualmente, cada vez menor) de produzir filmes de qualidade. Daí o epíteto, tão simples quanto inequívoco, inventado para a Hollywood da altura: "fábrica de sonhos".E para a excelência desses sonhos muito contribuíram os gigantes que se posicionaram atrás das câmaras, compreendendo melhor do que ninguém a dicotomia intrínseca do meio. Por baixo da superfície do entretenimento - invariavelmente, as histórias ancoravam num determinado modelo reconhecível, propiciando o acolhimento por parte do grande público -, encontra-se a arte cinematográfica no cume do seu esplendor. Bem visível no brilhantismo do trabalho de câmara, ou na forma como os seus filmes se prestam a segundas leituras, através da presença de subtextos temáticos destinados a fintar com suprema subtileza as imposições dos estúdios e as limitações estabelecidas pela censura (afinal, foram os anos do Código Hays, documento que, em nome da moral e dos bons costumes, definia o que podia ou não ser mostrado no ecrã).Dois dos títulos da colecção servem de exemplo paradigmático: "As Duas Feras" (1938), de Hawks, e "Sylvia Scarlett" (1936), de Cukor, manipulam a comédia ("screwball", no primeiro caso; melodramática, no segundo) para melhor poderem derrubar noções de sexualidade e moralidade, abordando temas "proibidos" como a homossexualidade e subvertendo ideias feitas quanto ao papel tradicional dos sexos. São duas obras-primas absolutas, mas os trunfos dos Clássicos Público não se esgotam nelas. Por aqui vão passar vários filmes míticos: os dois primeiros Welles, o revolucionário e iconoclasta "O Mundo a Seus Pés" (1941) e "O Quarto Mandamento" (1942), arquétipo da moderna saga familiar; "King Kong" (1933), o pai de todos os "filmes de monstros", que fez de um gorila gigante perdido de amores um ícone da cultura popular; ou o poético "Os Filhos da Noite" (1949), precursor de toda a tradição de histórias de jovens namorados em fuga e "opus" 1 de Nicholas Ray, cineasta essencial na transição do classicismo para a modernidade.Outros objectos inesquecíveis? Que tal um trio de "westerns" - "Forte Apache" (1948), "Os Dominadores" (1949) e "A Caravana Perdida" (1950) - com o selo da majestosidade épica de Ford? Ou "Chapéu Alto" (1935), de Mark Sandrich, aquele que é considerado o melhor musical da lendária dupla Fred Astaire e Ginger Rogers? Ou o terror atmosférico de "A Felina" (1942) segundo Jacques Tourneur, mestre da elipse e da sugestão? Seria difícil pedir mais, mas há que contar ainda com mais umas quantas iguarias, como quatro exemplos fascinantes do tortuoso mundo do filme negro: "O Arrependido" (1947), outro Tourneur; "Cega Paixão" (1951), de Ray; "Macau" (1952), por um grande senhor do cinema mudo, Josef von Sternberg; e "Vidas Inquietas" (1953), com a assinatura de outro notável, Otto Preminger. Também o incontornável Hitchcock não podia faltar. Dele vamos poder ver duas obras de 1941: "Suspeita", magnífico exercício de "suspense", e o atípico "O Sr. e a Sra. Smith", incursão nos terrenos da comédia romântica destravada. Por fim, destaque para mais um Hawks, "Céu Aberto" (1952), "cowboyada" que reflecte o mundo de solidariedade e harmonia masculina próprio do seu autor.E uma vez que a glória do cinema clássico americano se funda igualmente nos actores que o habitaram, pela colecção, como não podia deixar de ser, vai desfilar um sem-número de vedetas, figuras icónicas possuidoras do "star quality" tão raro hoje em dia. Os estilos e os métodos podem ser diferentes, mas, de Katharine Hepburn a Henry Fonda, passando por Ginger Rogers, Fred Astaire, Carole Lombard, Kirk Douglas, Robert Mitchum ou John Wayne, algo de único se repete: o dom de, pela simples presença, iluminar cada cena ou plano. Deslumbrando como se fosse sempre a primeira vez.