Quem são os "janjawid"?
Hoje termina o prazo concedido pelo Conselho de Segurança (CS) da ONU ao Sudão para conter a violência dos "janjawid". É assim que têm sido referidas as milícias árabes criadas pelo Governo sudanês depois de dois grupos terem iniciado uma rebelião contra o poder central de Cartum e "em defesa dos direitos da população não árabe (predominantemente) negra" desta região. Supostamente criadas para contra-atacar os rebeldes, as milícias atacam civis, violam mulheres e arrasam aldeias inteiras, com o objectivo de despovoar Darfur das suas populações não árabes mas muçulmanas. Os líderes tribais tradicionais refutam essas acusações dizendo tratar-se de "propaganda dos inimigos do Sudão, principalmente do Ocidente". E os responsáveis do regime islâmico de Cartum justificam que todas as tribos têm direito a formar as suas milícias. Mas as denúncias de "crimes de guerra" e "crimes contra a humanidade" foram comprovadas no terreno - pela ONU, por organizações de direitos humanos internacionais e pela União Africana - e estão na origem das ameaças de sanções que pesam sobre o Governo do Sudão. O xeque Musa Hilal esteve, desde o início, associado aos relatos de sobreviventes dos ataques mais violentos a aldeias ou a campos de deslocados de Darfur. É um dos chefes tradicionais (lidera uma tribo de 200 mil pessoas) referidos numa lista do Departamento de Estado dos EUA como o mais sénior de um grupo de sete elementos da estrutura de comando das milícias e que levaram à saída forçada de mais de um milhão de civis não árabes (dados da ONU) das suas terras de Darfur. Outro chefe tradicional na estrutura de comando das milícias "janjawid" é Mohamed Adam Saliko que lidera a tribo Saada. Comanda um campo de treino de milícias, segundo a organização Human Rights Watch (HRW) que apresenta documentos comprovativos da ligação das milícias ao poder em Cartum. O governador de Darfur Sul recompensou-o com um lugar garantido na lista dos peregrinos escolhidos para irem a Meca. A cumprirem-se as condições exigidas pelo CS da ONU ao Sudão - de desarmar as milícias e prender os seus responsáveis - Musa Hilal e Adam Saliko seriam provavelmente elementos visados pela justiça. Mas pela maneira como falou, numa recente entrevista ao jornal britânico "Telegraph", Musa Hilal parece não ter nada a temer nem do Governo sudanês nem das Nações Unidas (a entrevista decorreu no hotel onde se encontrava Jan Pronk, o enviado especial do secretário-geral da ONU, Kofi Annan). "Não me preocupa ser preso. Não creio que o Governo sudanês fará esse disparate", diz Musa Hilal nessa entrevista. Confirma que foi "designado" pelo Governo sudanês para recrutar homens das várias tribos árabes de Darfur para "defenderem a sua terra" e que o regime de Cartum está a formar milícias. "Legalmente, não ilegalmente", acrescenta, porque, segundo ele, as milícias actuam em defesa da acção dos rebeldes.Também Ahmed Khalil Sheet admite que a sua tribo - mahameed - foi armada pelos responsáveis de Cartum para confrontar no terreno os dois grupos rebeldes e não contra os civis "apanhados no meio da violência". "Cumprimos o nosso dever perante o Governo que é o nosso guardião", declarou Khalil Sheet à BBC "on-line". Tradicionalmente, no Sudão, "janjawid" é o termo utilizado para designar criminosos ou bandidos mas é também o nome dado às milícias que hoje operam em Darfur, como no passado operaram noutras regiões do Sudão. São elementos recrutados, armados e financiados pelo regime, através dos governadores locais e líderes tribais tradicionais. Actuam sob comando oficial e como unidade paramilitar de auxílio das forças de segurança. Nos seus desmentidos de apoios às milícias de Darfur, o Governo sudanês tentou estabelecer uma distinção entre os "voluntários" ou "mujahedin" (combatentes) pertencentes às forças de defesa popular e os "janjawid" aos quais se referiam como "gangs de bandidos armados" ou "elementos descontrolados". Porém, testemunhos recolhidos pela HRW no terreno indicam que ataques "bem organizados" resultam de uma coordenação estreita entre as milícias e esses combatentes das forças de segurança sudanesas, ao ponto de se confundirem: "Os 'janjawid' são parte integral da força militar do Governo e de contra-insurreição em Darfur", lê-se num relatório de Julho. A confusão também pode advir do facto de alguns membros das milícias serem bandidos de delito comum renegados pelas suas comunidades, e "recuperados", alguns da prisão, para integrarem as milícias. Ainda segundo a HRW e o International Crisis Group (ICG), estes elementos são pagos e aliciados com a possibilidade de roubarem e pilharem impunemente. O Governo fornece-lhes armas, equipamento de comunicações, salários e uniformes. As acções destes elementos no terreno eram, pelo menos até Julho, acompanhadas por bombardeamentos aéreos e missões governamentais de reconhecimento aéreo.