"Adolf Eichmann é um homem do nosso tempo"
David Cesarani acaba de publicar a biografia do arquitecto da "solução final" do genocídio nazi. "Eichmann: His Life and Crimes" é a história de um homem que aplicou a logística de uma operação comercial ao extermínio dos judeus durante o Holocausto. DAVID CESARANI - A forma como os historiadores entendem a "solução final" mudou muito desde que Arendt escreveu a biografia de Eichmann. Era necessário olhar de novo para a história deste homem à luz de novos documentos que saíram recentemente dos arquivos na Europa de Leste. Ao longo dos últimos dez ou 15 anos o nosso entendimento do Terceiro Reich e do nazismo tem mudado por via desses dados. Respeito o trabalho de Arendt, mas discordo profundamente do que ela escreveu. A obra dela foi importante, porque quebrou o mito do nazi como um homem psicopata. Mas ela popularizou a ideia de que Eichmann era um homem normalíssimo, um homem que tinha sido absorvido por aquele regime totalitário e absorvido na máquina burocrática que o fazia cumprir ordens, que tinha revertido a lógica do bem e do mal. Hannah Arendt promoveu esta ideia de que Eichmann era um burocrata diligente sem motivo, distante da ideologia nacionalista. O que digo com este livro é o oposto: Eichmann escolheu participar no genocídio. Fê-lo com a capacidade de distinguir o bem do mal e fê-lo para progredir na sua carreira dentro da SS. Há uma altura em que Eichmann tem que fazer uma escolha - continuar a trabalhar na área cada vez mais diminuta da emigração forçada dos judeus (o lugar que ele ocupava até ao início dos anos 40), ou juntar-se à burocracia crescente do genocídio. E Eichmann escolhe juntar-se ao genocídio, porque tinha todas as credenciais para isso: entre 1939 e 1940 tinha montado operações logísticas complexas para transportar e deslocar polacos em zonas da Polónia anexadas pelos nazis. Será que Eichmann fez isso para progredir na carreira? A resposta é sim.