Fornos de carvão artesanal sufocam aldeia alentejana de Amieira
Os fornos artesanais de carvão vegetal, à base de lenha de azinho, proliferam nesta altura do ano em inúmeros locais do Alentejo, criando um grave problema de saúde pública, sobretudo a pessoas que sofrem de problemas nas vias respiratórias.A sua instalação muito próxima dos aglomerados populacionais, nalguns casos paredes-meias com as habitações, não apresenta grandes dificuldades. É só juntar lenha de azinho, cobrir com palha e terra, pegar-lhe fogo, e deixar arder, com determinados cuidados, até ficar o carvão que utilizamos para os grelhados na brasa. As populações afectadas pelo intenso cheiro a queimado produzido pelas emissões gasosas, que são arrastadas pelo vento, não conseguem habituar-se ao desconforto que provocam e ao mal-estar que causam à saúde. Que o diga Maria de Jesus Nogueira, residente na aldeia da Amieira, concelho de Portel, que padece de asma alérgica. Quando o vento sopra de Norte, "o fumo vem para a zona habitada e entro em apneia", conta. Já foi duas vezes de urgência ao Centro de Saúde de Portel para receber oxigénio. De pouco têm valido os protestos junto das entidades públicas. "Dizem-me que a lei é muito ambígua", explica, e que nada pode impedir a queima da lenha a céu aberto, "mesmo que seja à porta das pessoas". No entanto, Maria de Jesus observa que "há um senhor que liga os fornos para Norte, mas dorme para Sul", lembrando que "existem terras afastadas da aldeia" onde podiam fazer a queima sem problemas para a população.Margarida Pinto tem 54 anos e um grave problema de saúde. Há cerca de dez meses sofreu a ablação de um seio e está a fazer quimioterapia no hospital de Évora. Detectaram-lhe uma metástase nos pulmões. "Eu não posso suportar fumos, queimam-me por dentro", diz a mulher alarmada com o possível agravamento do seu estado de saúde quando acenderem, como está previsto, mais duas dezenas de fornos nos próximos dias. Até ao final de Setembro, altura em que acaba a produção de carvão vegetal, Margarida Pinto diz que vai ter "muita dificuldade em sair de casa". "Lamento que estejam a abreviar os meus dias de vida para outros meterem dinheiro aos bolsos".Também uma criança com sete anos de idade que sofre de asma, conta Maria de Jesus, "sufoca de tal forma que desmaia". Há dias ia de bicicleta e quando passou junto de um forno "caiu inanimada no chão" e teve que levar vários pontos.O presidente da Junta de Freguesia da Amieira, Norberto Guerreiro, já informou a população dos perigos que a produção de carvão representam para a saúde pública. "Isto assim não pode continuar", acrescenta, dando conta de que "as autoridades hesitam quando se trata de intervir". O autarca acrescenta que, conscientes deste facto, os indivíduos que têm fornos "reagem mal" aos apelos para os instalarem noutro lado, alegando que "esta prática tem muitos anos".António Caetano é um dos produtores de carvão mais visados nas críticas da população. "Desde que começou a Reforma Agrária que faço fornos no mesmo sítio", a uma centena de metros da aldeia, numa área actualmente afecta à zona de regolfo da albufeira de Alqueva. Mesmo junto à água ergueu oito fornos prestes a queimar, contrariando o Plano de Ordenamento das Albufeiras de Alqueva e Pedrogão, que impede qualquer actividade poluidora numa faixa de 500 metros em redor da albufeira, a contar do nível de pleno armazenamento. "Não compreendo porque é que protestam agora se antigamente se faziam mais fornos e ninguém se queixava", argumenta o produtor de carvão, conhecedor de que faz a queima sem qualquer licenciamento, apesar de mostrar o pedido que apresentou à Câmara de Portel e que não teve resposta.Sabe que não pode fazer queima naquele local por causa da albufeira, mas alega que já gastou dinheiro para trazer a lenha e não tem condições para a levar para outro lado. A sua intenção "é mesmo fazer ali o carvão".Augusto Brito, autoridade de saúde para a região, questionado sobre as consequências desta actividade na saúde das pessoas, confirmou que se trata "de um problema recorrente e que as queixas são constantes". O médico lembra que desde 1998 faz chegar queixas repetidas aos serviços do Ministério do Ambiente, "mas sem qualquer resultado prático". "Sucessivas reuniões, feitas com várias entidades, deram em nada" e "as perspectivas não são nada famosas".As entidades do sector do Ambiente disseram-lhe, em 1998, que a lei estava a ser revista. Mas Augusto Brito critica que, passados seis anos, "continua a não incluir os fornos artesanais de carvão" que "nem uma portaria saiu". As pessoas que padecem de doenças respiratórias, asma alérgica e bronquite crónica são as que mais sofrem. O clínico está preocupado com o cenário que pode vir a ser criado se atearem fogo aos fornos que estão prontos. "Vai ser um desatino", desabafa, chamando a atenção para o facto de ter ficado na área envolvente da albufeira muita lenha proveniente do processo de desmatação e desarborização de Alqueva.