Autismo: cientistas identificam anomalia do cérebro no reconhecimento da voz humana

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Uma ou duas crianças em cada mil é autista DR

O estudo - realizado em Orsay pela equipa de Mónica Zilbovicius (Instituto Francês da Investigação e da Saúde, serviço hospitalar Frédéric Joliot), em colaboração com a Universidade de Montreal, no Canadá - revela a incapacidade dos autistas para activarem as zonas do cérebro especificamente dedicadas ao reconhecimento da voz humana.

O autismo é uma perturbação global do desenvolvimento que se evidencia durante a primeira infância (antes dos três anos de idade), caracterizada por dificuldades na interacção social, na comunicação e na imaginação, que afecta uma ou duas crianças em cada mil, sendo que a prevalência é essencialmente masculina (quatro para um). Muitas vezes, os autistas apresentam também estereotipias (repetição do mesmo movimento, atitude, palavra ou frase), resultantes da ansiedade que sentem por não compreenderem o mundo que as rodeia.

Uma das características dos autistas é a dificuldade em comunicar, seja através de linguagem verbal, de gestos ou de expressões faciais. Apenas 50 por cento das crianças são capazes de falar e, entre esses, apenas dez conseguem utilizar a linguagem em termos sociais.

No entanto, estas características variam de caso para caso, pois o autismo compreende vários graus de desenvolvimento, desde o atraso mental profundo à inteligência acima da média (síndroma de Asperger, como aparece no célebre filme "Rain Man").

A origem concreta do autismo está ainda por determinar. Trata-se de uma disfunção do sistema nervoso central, que pode ter origem em vários factores, desde síndromas genéticos a viroses durante a gravidez (como a rubéola) ou alterações metabólicas causadas por dietas alimentares. No entanto, só cerca de 30 por cento das crianças têm uma causa conhecida por trás da doença. Na maior parte dos casos o autismo já nasce com a criança, mas isso pode não acontecer.

Para identificar as bases cerebrais desta doença, os investigadores de Orsay estudaram, recorrendo a imagens obtidas por ressonância magnética funcional (IRM funcional), como o cérebro dos autistas adultos percebe a voz humana em relação a outros sons.

A voz é um "estímulo auditivo rico em informação sobre a identidade e o estado emocional do interlocutor", sublinham. Além disso, é rica em informações "não verbais: ela constitui um verdadeiro rosto auditiva que nós sabemos interpretar. As nossas capacidades para percebermos estas informações vocais desempenham um papel crucial nas nossas interacções sociais", explicam.

Os cientistas registaram a actividade cerebral de cinco autistas adultos e de oito voluntários sãos enquanto ouviam sequências de sons que alternavam voz humana (palavra, choro, riso, canto) e outros barulhos "não vocais" (sinos, instrumentos de música, carros).

"Os resultados revelam nos autistas uma ausência de activação da área específica da percepção da voz", sublinham os investigadores.

Nos autistas, as regiões do cérebro activadas são exactamente as mesmas, mesmo que se oiçam vozes humanas ou outros sons.

Por outro lado, à pergunta "o que entendeu durante o exame", os autistas apenas indicam 8,5 por cento dos sons como voz humana (contra os 51,2 cento apontados pelos restantes indivíduos), confirmando a sua fraca capacidade de reconhecimento.

Estudos anteriores com a técnica de ressonância magnética tinham já revelado nos portadores de autismo uma disfunção similar para o reconhecimento de rostos.

"Estas anomalias do tratamento da voz e dos rostos sugerem que as dificuldades dos autistas em compreenderem o estado emocional dos outros e em interagirem com eles poderão estar ligadas a uma deficiência na percepção dos estímulos sociais", notam os cientistas.

A identificação destas deficiências de percepção "poderá permitir elaborar estratégias de reeducação" adaptadas, sugerem ainda os autores do estudo.