Salvado pode vir a ser investigado pelo Supremo Tribunal de Justiça

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O antigo director da PJ demitiu-se na sequência do caso das gravações Daniel Rocha/PÚBLICO

O esclarecimento da actuação do ex-director nacional da Polícia Judiciária só poderá ser feito, nos termos do Código de Processo Penal, no STJ, competindo as investigações a um procurador-geral adjunto colocado no Supremo e as funções de juiz de instrução serão cometidas a um juiz conselheiro da secção criminal.

Esta hipótese, a verificar-se, deverá obrigar à transferência do Departamento de Investigação e de Acção Penal (DIAP) de Lisboa para o STJ das peças relacionadas com o facto de aquele jornalista, durante mais de um ano, ter coleccionado um autêntico arquivo fonográfico dos bastidores do processo Casa Pia. Nas dezenas de cassetes, posteriormente reproduzidas para suporte digital que caíram no domínio público, estão diálogos com Adelino Salvado, a inspectora Rosa Mota - responsável pela equipa de mais de uma dezena de investigadores requisitados à PJ pelo Ministério Público - e a assessora de imprensa da Procuradoria-Geral da República. E ainda outras pessoas relacionadas com o processo como os advogados Adelino Granja e Pedro Namora, a provedora Catalina Pestana, ou causídicos Daniel Proença de Carvalho e José Maria Martins, outros advogados ligados à defesa, o próprio bastonário da Ordem dos Advogados, José Miguel Júdice, e a procuradora-geral adjunta Maria José Morgado.

Octávio Lopes apresentou queixa no DIAP de Lisboa por furto das gravações supostamente feitas sem o consentimento prévio dos seus interlocutores e a denúncia poderá ser o ponto de partida das investigações. A divulgação de excertos de telefonemas entre Salvado e o jornalista do CM poderá colocar o desembargador que durante dois anos dirigiu a PJ sob suspeita e obrigar a que os autos sejam transferidos para o STJ. O Código de Processo Penal prevê que, quando os processos conexos sejam da competência de tribunais de hierarquia diferente, "é competente para todos o tribunal de hierarquia ou espécie mais elevada", neste caso o Supremo.

Resta agora saber que carácter irá ser atribuído ao inquérito, desconhecendo-se se irá ser definido como urgente e começar a ser instruído em plenas férias judiciais. Anteontem, o comunicado divulgado pela Presidência da República sublinhava que "a questão das denominadas 'cassetes roubadas' indicia irregularidades graves, significativamente ampliadas pela ilícita publicação de transcrição de parte delas". Jorge Sampaio parecia não ter dúvidas quanto à clarificação da situação, alertando: "Impõe-se que, rápida e eficazmente, sejam apuradas responsabilidades nas várias instâncias, incluindo as irregularidades imputadas a pessoa que prestou serviço na Procuradoria-Geral da República".

O comunicado, recorde-se, acentuava que não saíam "diminuídas as condições de exercício do mandato do senhor Procurador Geral da República". Várias fontes contactadas pelo PÚBLICO admitem que mesmo não pondo em xeque Souto Moura, Sampaio deseja uma reacção célere do sistema judicial. Até porque, realçam, no plano político já foram extraídas ilações com a demissão de Adelino Salvado e com o afastamento de Sara Pina do gabinete de imprensa da PGR.

José Souto Moura ordenou a abertura de um inquérito há 12 dias no DIAP de Lisboa e agora terá de definir se essa é a sede adequada para o esclarecimento das "irregularidades graves" de que fala o comunicado emitido anteontem pelo Palácio de Belém. A situação está a ser acompanhada pelas partes envolvidas no processo da Casa Pia e também por Eduardo Ferro Rodrigues que anunciou a necessidade de um esclarecimento cabal dos factos.

Não está, aliás, excluída a hipótese que, tanto o ainda líder do PS como outras personalidades envolvidas no processo Casa Pia, venham a apresentar queixas-crime por difamação e outros crimes alegadamente relacionados com o caso das gravações recolhidas por Octávio Lopes. Não será igualmente de afastar a hipótese de, perante o teor das conversas tidas entre o jornalista e várias testemunhas daquele processo, a defesa dos arguidos não possa vir a questionar a respectiva credibilidade.

Uma indeterminação persiste, no entanto: quando é que as autoridades competentes irão fazer as diligências necessárias para descobrir o paradeiro do corpo do delito - as cassetes -, ponto de partida de uma crise que agitou os meios judiciais e políticos e já fez rolar as cabeças de Adelino Salvado e da assessora Sara Pina? A resposta cabe ao Ministério Público, o titular da acção penal, nos termos da lei, frisaram várias fontes judiciais contactadas pelo PÚBLICO.

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