Choque fiscal "versus" choque tecnológico
uando concorria às últimas eleições legislativas, Durão Barroso apregoava como principal solução para revitalizar a nossa economia, aconselhado por Miguel Frasquilho, um choque fiscal que reduzisse os impostos directos sobre os lucros das empresas, de modo a estimular a actividade económica e atrair mais investimento estrangeiro. José Sócrates, enquanto candidato à liderança do PS, apresentava recentemente neste jornal a sua visão/solução para o relançamento sustentado da economia portuguesa. Sócrates propõe-nos um plano/choque tecnológico como alternativa à aposta feita pelo anterior governo na "agenda financeira e orçamental". O plano tecnológico tem como objectivo "operar a mudança de uma economia assente em salários baixos e recursos humanos com escassa qualificação, para uma economia alimentada pelo progresso tecnológico, com base em recursos mais qualificados e, por isso, melhor remunerados". Este dois simples "slogans" - choque fiscal "versus" choque tecnológico - são reveladores de dois projectos marcadamente distintos para o relançamento da economia portuguesa.É ilusório pensar-se que uma redução, ainda que acentuada, da carga fiscal sobre as empresas atrairia mais e, sobretudo melhor, investimento directo estrangeiro para Portugal. Inúmeros "surveys" a que tenho tido acesso mostram que a carga fiscal está longe de ser o factor mais importante de atractividade de uma economia. Em contrapartida, a maioria dos estudos parece confirmar a ideia de que o nível de educação e qualificação da mão-de-obra, este sim, é considerado o factor que mais pesa na decisão das empresas investirem num país estrangeiro. Se não melhorarmos substancialmente aquilo que temos para oferecer enquanto base de produção, de pouco nos vale reduzir a carga fiscal. Talvez nos permita atrair um pouco mais do mesmo - basicamente actividades de baixo valor acrescentado e assentes em salários baixos. Mas não é isto que desejamos para o nosso país, pois não? Do meu ponto de vista, uma estratégia de desenvolvimento que tem como principal bandeira um choque fiscal equivale a vender o que sempre se teve para oferecer só que a preços mais reduzidos, em saldo. É certo que não se pode descuidar a questão da competitividade fiscal. Contudo, valoriza muito mais o país melhorar a qualidade dos recursos e do ambiente económico que temos para oferecer aos investidores nacionais e estrangeiros. Em contrapartida, creio que qualquer economista (e sublinho economista, não "macrocontabilista", dado estes últimos estarem na maior parte das vezes obsessivamente preocupados apenas com o equilíbrio de determinadas variáveis macroeconómicas, como se o equilíbrio fosse um fim em si mesmo) não poderia estar mais de acordo com a proposta de um verdadeiro choque tecnológico. O crescimento económico de Portugal nas últimas décadas tem sido conseguido à custa da acumulação de factores produtivos e muito menos devido ao incremento da eficiência com que esses factores são utilizados. Ora, como os economistas bem sabem e Sócrates refere, "sucede que o motor do crescimento de uma economia é menos a quantidade de factores usados na produção do que a produtividade total dos factores, que decorre da infra-estrutura social de cada país. E é aqui que está o problema. Temos uma baixa infra-estrutura social, nomeadamente nos domínios da qualificação dos recursos humanos e da tecnologia, que se traduz em fraca contribuição da produtividade total dos factores para o crescimento". As experiências recentes de dois países demonstram como a aposta na tecnologia resulta em crescimento acelerado. Um deles tem sido muito falado na literatura e imprensa económica - a Irlanda. Contudo, do meu ponto de vista, a sua experiência tem uma particularidade forte que a torna dificilmente reproduzível; refiro-me ao facto ter na sua base uma relação de "familiaridade" com os EUA que muito contribuiu para que os "primos" americanos vissem na Irlanda uma base de produção onde passaram a instalar as suas multinacionais. É certo que o domínio do inglês e a qualificação dos trabalhadores irlandeses também para isso contribuíram. O outro caso, muito menos divulgado entre nós, mas, a meu ver, bem mais interessante é o da Finlândia. Este país tem metade da população portuguesa, é igualmente periférico, no início da década de 90 atravessou uma crise gravíssima (a ponto de o PIB se ter contraído 13 por cento, a moeda nacional ter perdido mais de um terço do seu valor, e o número de empregos se ter reduzido quase um quinto) em parte ligada ao colapso da URSS, seu principal mercado de exportação. Não obstante esta profunda crise, a Finlândia tem vindo a crescer aceleradamente desde a segunda metade da década de 90; nos últimos anos tem mesmo sido apresentada por vários "rankings" de competitividade (como por exemplo, o IMD) como a economia mais competitiva do mundo e hoje um dos principais actores empresariais à escala global é finlandês - a famosa Nokia. O "milagre económico" da Finlândia tem na sua base precisamente um plano tecnológico - a aposta nas tecnologias de informação e comunicação (TIC) como um desígnio nacional. Governo, oposição, sindicatos e classe empresarial conseguiram constituir um consenso em torno das TIC enquanto projecto estratégico de desenvolvimento que poderia permitir superar a grave crise económica e garantir o crescimento da economia de forma sustentada. A aposta foi, de facto, certeira - o forte crescimento económico da Finlândia desde 1994 foi devido quase exclusivamente ao "cluster" TIC. Para além da mobilização nacional em torno das TIC, o modelo finlandês assenta em mais três pilares: (i) excelente qualificação da sua força de trabalho (a Finlândia possui, segundo comparações internacionais recentes, o melhor sistema de educação do mundo); (ii) a profunda reestruturação da economia restituiu um quadro macroeconómico estável e estabeleceu os incentivos para o investimento nas novas TIC e (iii) a Nokia, enquanto actor de referência à escala global nas telecomunicações, desempenhou um papel crucial na afirmação do "cluster" TIC.Só a melhoria tecnológica do tecido produtivo português permitirá ao país lançar-se com sucesso em actividades de alto valor acrescentado e valorizadas no comércio mundial, permitindo assim pagar melhores salários aos nossos trabalhadores e elevar o seu nível de vida. Só por esta via conseguiremos um crescimento económico são, baseado no aumento da produtividade (o calcanhar de Aquiles da economia portuguesa) e não intensivo em recursos.O Governo e o Estado desempenham, no entanto, um papel muito importante na implementação desta estratégia. Desde logo, na obtenção de um consenso e na mobilização do país em torno do novo plano tecnológico. Por outro lado, como é referido por Sócrates, há todo um trabalho de casa a fazer na área da educação-formação, da informatização e conexão generalizada à Internet, da investigação e desenvolvimento e inovação (com destaque para incentivos para o investimento privado em I&D), da cooperação entre universidades/centros de investigação e empresas, do desenvolvimento de centros tecnológicos dotados de boas infra-estruturas tecnológicas, aos quais acrescentaria a disponibilização de capital de risco para "start-ups", bem como de serviços de "intelligence" às empresas (para tentar superar algum défice de empreendedorismo que existe na nossa classe empresarial e ajudar muitas empresas a subir para segmentos de maior valor acrescentado). Façamos então com coragem e determinação o trabalho de casa que os resultados acabarão por aparecer. Nos verdadeiros processos de desenvolvimento, tanto dos países como das pessoas, não há atalhos, o caminho é na maioria das vezes longo e difícil. No entanto, só assim criaremos a bases para um crescimento sólido e sustentado a prazo, com o qual andamos a sonhar há décadas. Economista, mestre pela London School of Economics