Moqtada al-Sadr quer ser um mártir ou entrar na política?
Se Moqtada al-Sadr tem ou não uma estratégia é difícil dizer. O líder xiita radical promete lutar "até à última gota de sangue" e os membros da sua milícia Exército de Mahdi garantem que "coisas inacreditáveis acontecerão" se as tropas americanas capturarem o seu líder.Mas o que levou Sadr a quebrar a trégua que mantinha há mais de dois meses com os americanos? Robin Bhatty, analista do International Crisis Group (ICG) baseado em Amã, admite que o líder xiita possa ter começado a sentir-se pressionado, por um discreto mas consistente apertar do cerco à sua volta, tanto pelas forças de segurança iraquianas como pelas patrulhas americanas que começaram a aproximar-se muito das suas residências.Que incidente específico desencadeou a actual crise também não é claro, embora se pense que tenha sido a detenção de vários polícias iraquianos pelo Exército de Mahdi. Bhatty sublinha, contudo, que não se pode dizer que a ordem tenha vindo de Sadr, porque a milícia não é uma força organizada, e há vários grupos com os seus próprios líderes.Não se sabe, portanto, se Sadr provocou a actual situação para que um novo confronto com as forças da coligação lhe permitisse aumentar a sua popularidade; ou se acabou por se ver envolvido numa escalada de violência e optou pelo desafio. Há também rumores do envolvimento de forças estrangeiras, nomeadamente o Irão, nesta revolta, mas mais uma vez não se podem fazer afirmações definitivas. O analista do ICG explica ao PÚBLICO que através das armas que a milícia de Sadr usa dificilmente se poderá acusar um país concreto. "Usam cópias de modelos soviéticos, que se encontram por toda a região. Seria muito difícil dizer se vieram do Irão, do Golfo ou de qualquer outro sítio". O que, na sua opinião, poderia dar pistas seriam as intercepções de comunicações, "que provavelmente as forças da coligação estão a fazer". Ontem tudo parecia indicar que os dois lados se preparavam para o que poderia ser um confronto final. Um artigo no "Christian Science Monitor" referia que os combatentes de Mahdi tinham passado nos últimos dias de uma estratégia de guerrilha urbana nos seus bastiões, para uma postura muito mais ofensiva, com ataques de rockets e morteiros contra edifícios governamentais e tropas da coligação. Isto poderia significar que tinham abandonado qualquer esperança de uma negociação pacífica."A sangrar do nariz"Mas há outras leituras da situação. O analista Toby Dodge, perito no Médio Oriente do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres, citado pelo jornal, afirma que Sadr pode estar a "tentar negociar ou a abrir à força o seu caminho para o processo político". O primeiro-ministro iraquiano, Iyad Allawi, já propôs a Sadr entrar no jogo político, mas o líder xiita considerou que a Conferência Nacional (prevista para o próximo dia 15, e que é considerada um passo essencial no processo que conduzirá às eleições) é uma iniciativa dos americanos e por isso não tem legitimidade. Na perspectiva de Dodge, o que Sadr estaria a fazer é aumentar a sua popularidade para poder entrar no processo político impondo as suas regras. Robin Bhatty concorda que "o facto de Sadr estar disposto a usar a violência contra a coligação e a sofrer baixas dá-lhe muita popularidade". Medir esta popularidade é também uma tarefa difícil: muitos xiitas, cansados dos combates, começam a voltar-se contra o Exército de Mahdi, mas, por outro lado, a milícia não parece ter dificuldades em recrutar novos combatentes. Entre os desempregados e as camadas mais desfavorecidas dos xiitas, muitos deles vindos do Sul profundo para as periferias das grandes cidades, como Najaf, "quanto mais sangue correr mais popular é Sadr", diz o analista do ICG.Isto deixa o Governo iraquiano e os norte-americanos numa situação muito difícil. Bhatty considera que a força que está a ser usada contra Sadr é "muito contida", e vai-se limitar a "pô-lo a sangrar do nariz". Até agora não quiseram usar "força a sério" e provavelmente não chegarão a fazê-lo, diz, porque a captura ou a morte de Sadr criaria um problema ainda maior, transformando-o num herói ou num mártir.O melhor cenário seria, na sua opinião, conseguir que o líder xiita participasse nas eleições e esperar que tivesse um mau resultado. Mas, reconhece Bhatty, essa continuaria a ser uma estratégia de alto risco.