Único conjunto megalítico transferido do Alqueva pode ser falso
Com a sua reinstalação aos pés de Monsaraz, inaugurada há dias, o cromeleque do Xerez foi salvo das águas do Alqueva e deverá tornar-se um dos monumentos megalíticos mais visitados do país, apesar de muitos arqueólogos o considerarem falso. A polémica em torno do cromeleque quadrilátero já se arrasta há 32 anos e não haverá escavações susceptíveis de a esclarecer, porque o sítio desapareceu com o enchimento da barragem. Em 1969, na Herdade do Xerez (ou Xarez), a sul de Monsaraz, a forma de uma grande pedra deslocada por trabalhos agrícolas levantou suspeitas. O achado foi comunicado a José Pires Gonçalves, um médico de Reguengos de Monsaraz que se dedicava à arqueologia e já tinha identificado e reerguido o Menir do Outeiro, junto à aldeia do mesmo nome.Pires Gonçalves procedeu ao reconhecimento do sítio e confirmou tratar-se de um menir. Além disso, identificou nas cercanias meia centena de monólitos de diversas dimensões, alguns afeiçoados e gravados, e concluiu que estava em presença de um recinto neolítico desmantelado.Interpretando os resultados da sua investigação, Pires Gonçalves entendeu que os monólitos formavam originalmente um quadrilátero, com o menir ao centro e os ângulos alinhados com os pontos cardeais. Foi esse o arranjo que seguiu, quando, em Maio de 1972, procedeu à sua reinstalação, mas essas conclusões têm suscitado reservas a muitos arqueólogos. Victor Gonçalves, da Universidade de Lisboa, referiu-se ao conjunto como um "possível" cromeleque, "talvez um pouco fantasiosamente reconstruído". Manuel Calado, da Universidade Clássica de Lisboa, vai mais longe: "Tenho a certeza que [o quadrilátero] não é a forma original". Em apoio, enumera vários argumentos. Em primeiro lugar, seria o único cromeleque quadrilátero em Portugal, e mesmo os casos referidos no Norte da Europa são duvidosos. No Alentejo, todos os menires conhecidos têm a forma de uma ferradura aberta a Nascente. Além disso, Calado refere que Raúl Rosado Fernandes, proprietário da Herdade do Xerez, acompanhou a pesquisa de Pires Gonçalves e testemunhou que este não recolheu provas suficientes para fundamentar a opção que tomou. O próprio levantamento topográfico, feito por um colaborador de Pires Gonçalves, referencia apenas uma dúzia de pedras, embora o quadrilátero refeito reúna 54 ao todo. O levantamento também assinala apenas o alvéolo de implantação do grande menir, mas Pires Gonçalves afirmou mais tarde ter identificado outros. "Estou convencido que só encontrou aquele", comenta Manuel Calado. O técnico não acredita na tese do quadrilátero mas não arrisca formular outra, concluindo que, à luz da informação recolhida, "não temos hipótese de saber qual era a planta original".O arqueólogo Jorge Pinho Monteiro, responsável pelo primeiro Plano de Arqueologia para o Alqueva, em 1979, ainda iniciou escavações, mas a sua morte interrompeu os trabalhos. Na década de 90, a construção da barragem finalmente arrancou. Como já se sabia quando Pires Gonçalves o identificou, o cromeleque situava-se na zona de enchimento. Abrangido pela operação de salvamento arqueológico ali realizada, o sítio foi escavado em 1998 pelo arqueólogo Mário Varela Gomes, a convite da Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva (EDIA). Avaliados os resultados, a EDIA concluiu que "os novos estudos não vieram contradizer" os pressupostos a que obedecera o "restauro" de Pires Gonçalves. Em Novembro de 2001, a três meses do fecho das comportas da barragem, o conjunto foi desmontado e as pedras permaneceram armazenadas durante mais de dois anos. A EDIA optou por reinstalar o cromeleque nas cercanias do Convento da Orada, aos pés de Monsaraz, reconhecendo que, "estando fora de causa reproduzir contextos irrepetíveis, acabaram por pesar essencialmente os critérios de circunstância e oportunidade". Por outras palavras, a cedência pela junta de freguesia de um terreno situado na aldeia de Telheiro/Ferragudo, com acessos e espaço para acolher um futuro museu de arqueologia do Alqueva.O arquitecto paisagista Daniel Monteiro projectou a reinstalação, que foi levada a cabo pela câmara de Reguengos de Monsaraz, com financiamento da EDIA. A reinstalação do conjunto teve lugar a 24 e 25 de Junho, pelo solstício de Verão, sob a orientação científica de Manuel Calado. Embora o arqueólogo mantenha a sua descrença no formato quadrilátero, não critica a iniciativa da EDIA. Reconhecendo que "a lógica do lugar perdeu-se" e que "a forma já a tínhamos perdido há muito", prefere ver a intervenção como um novo acto de criação artística. "A primeira instalação é de autor desconhecido, a segunda de Pires Gonçalves e a terceira de Daniel Monteiro".