O triunfo do futebol parasita
O "catennaccio" foi inventado há 40 anos, mas provavelmente nunca ficará fora de moda enquanto alguém guardar as gravações da Grécia neste Europeu. Especialmente os momentos da festa dos seus jogadores, isto enquanto Eusébio repetia também a história e vertia lágrimas para cima da Taça que, mais uma vez, lhe ia fugir das mãos. Na Luz, assistimos ao triunfo do futebol parasita, do futebol praticado por uma selecção de jogadores quase todos medianos, com excepções é certo (Seitaridis é mesmo magnífico), e do futebol que vive escondido na penumbra, e sempre à espreita de um instante de distracção de quem reconhece ser-lhe superior para lhe aplicar a estocada fatal. Foi quase sempre assim que a Grécia se tornou no mais surpreendente campeão europeu de sempre, quase uma repetição do Mundial de 1950 quando o Uruguai foi ao Maracanã envergonhar o Brasil.
Mas ontem foi também o dia em que Otto Rehhagel provou que definitivamente é melhor treinador que o agora endeusado Scolari. Voltou a ganhar-lhe na estratégia e, desta vez, até o venceu no que o brasileiro tinha mostrado ser a sua principal força, a capacidade de motivar. Uma final joga-se e decide-se muito com o coração, com o coração que Portugal mostrar com a Inglaterra, e ontem a generalidade dos portugueses pareceu estar sempre a disputar mais um jogo, como se aquele não fosse o momento mais importante das suas carreiras.
Um simples dado estatístico retrata bem o futebol sensaborão que se viu no primeiro tempo: três remates para Portugal e zero para a Grécia, o pior registo de qualquer meio jogo do Europeu. A culpa disso era a repartir pelas duas equipas, mas com a diferença substancial de isso correr ao gosto dos gregos e muito contra a vontade da selecção nacional. Porque uma queria e tinha a vontade de querer jogar e a outra estava ali para não o permitir, o que não foi novidade para ninguém.
Rehhagel não seria bom germânico se não acreditasse que se uma estratégia era boa para o Dragão também o seria para Luz. Perdeu o factor surpresa, mas o que se viu ontem foi Miguel debater-se com as mesmas dificuldades que Paulo Ferreira já sentira há três semanas, quando lhe surgia pela frente o pequeno e careca Giannakopoulos. Com ele, mais uma vez, a Grécia mais do que repetir o habitual 4x4x2, aproximou-se mais do 4x3x3, pelo menos quando Portugal perdia a bola.
Mas pensar que com isso a Grécia iria jogar o jogo pelo jogo, seria como pedir a quem gosta de estar sentado no sofá para abdicar do telecomando da televisão. Do meio campo para a frente, todos os portugueses eram vigiados de perto, com Deco a ser marcardo por Katsouranis, que substituiu o castigado Karagounis. Não é bonito de ver, mas isso nunca será uma preocupação de Rehhagel.
Portugal estava avisado para o que o esperava e entrou a meio gás, como que a querer dizer aos gregos que se eles estavam à espera de aproveitar o seu excesso de aventureirismo, estavam bem enganados. Assim, mais do que um jogo do gato e do rato, foi durante muito tempo do rato com outro rato, embora um mais arisco e corpulento que o outro. Miguel fez a primeira investida, mas Nikopolidis confirmou ser um bom guarda-redes. A Grécia ainda se mostrou numa jogada em que a apatia defensiva de Portugal só não provocou estragos porque Ricardo saiu com coragem aos pés de Charisteas. No relvado tudo corria como na bancada, onde os gregos em minoria tinham momentos em que calavam os portugueses.
A maior disponibilidade de Portugal reflectia-se na posse de bola e no jogar quase sempre no campo, embora tudo com demasiados caldos de galinha. Uma opção que já tinha sido anunciada, mas que teve uma contrariedade que acabaria por ser fatal a Portugal: houve sempre demasiado pouco de Deco, Figo e Ronaldo, o primeiro bem marcado e os outros desinspirados e incapazes de fazer a diferença nas laterais, o que era determinante para atacar o cofre forte grego.
Maniche ainda era o único que tentava e conseguia pegar no jogo, mas nem isso chegava para disfarçar tantos passes e lançamentos sem nexo, com Cristiano a perder-se em inutilidades longe da baliza. Figo ainda trocou as botas, mas a raiva do seu futebol tinha-a deixado nas utilizadas com a Holanda.
Scolari parecia prever o que vinha aí e não se sentou um minuto. Miguel, a certa altura, percebeu-se que lhe estava a pedir para ter calma, ele que sofreu um choque com Giannakopoulos e nunca mais aguentou as dores abdominais, acabando substituído por Paulo Ferreira.
O intervalo fez bem a Portugal. Deco passou a ter mais liberdade e a bola passou a rondar mais a baliza grega. Mau sinal, terão pensado aqueles que já perceberam o quanto é cinico o futebol grego. E tinham razão. Um canto, o primeiro conseguido pela Grécia no jogo, Charisteas sobe mais do que Costinha e... golo. Tal como no Porto, a Grécia marcava no seu primeiro remate e no único dos cinco que fez que foi à baliza (Portugal fez 17, quatro entre os postes) confirmando o seu raro coeficiente de aproveitamente. Ricardo também foi culpado, ficando a meio caminho e não lhe servindo de desculpa o trânsito congestionado. Herói no épico jogo com os ingleses, confirmou na pior altura que está muito longe de ser um Deus quando a coisa mete cruzamentos. Mas isso só Scolari não vê.
Faltava meia hora e Portugal mostrou então alguma raça. Ronaldo e Figo tentaram a sua sorte sem sucesso, Scolari trocou Costinha por Rui Costa, recuando Maniche para a frente da defesa. Como Mourinho faz no FC Porto. Depois trocou Pauleta (um Europeu sem um único golo) por Nuno Gomes, o que em termos de ambição foi quase como tentar ganhar o bingo com o cartão da ronda anterior.
Passou a haver meio-campo a mais, até porque Reahhgel tirou um avançado (Vryzas) e meteu um médio (Papadopoulos), isto depois de Ronaldo ter dominado com a biqueira da bota e rematado alto. Seis minutos depois, Ricardo Carvalho teve um remate com o pé esquerdo que quase surpreendia Nikopolidis. Dois momentos de fortuna para quem é uma espécie de sede dos deuses, até porque logo de seguida um espanhol invadiu o campo e pelo meio da fuga aos surpreendidos vigilantes ainda conseguiu espetar com a bandeira da Catalunha na cara de Figo. Histórias antigas, mas a verdade é que logo depois o remate do "madrileno" saiu perto do alvo, mas ao lado.
Hoje os portugueses voltarão a despertar para a crise governamental, o desemprego e a retoma que nunca mais se confirma. E Durão precisa trocar de gravata e e Madaíl já pode voltar ao futebol.