Os excertos polémicos

A impressão de “L.A. Confidential – The Secrets of Lance Armstrong” esteve debaixo de grande secretismo, mas a polémica surgiu antes mesmo de chegar às livrarias, devido aos excertos, particularmente nocivos para a imagem de Armstrong, publicados pelo jornal francês “L’Express”. O trecho mais grave baseia-se no testemunho de Emma O’Reilly, massagista do ciclista entre 1998 e 2000, que conta, entre outros episódios, como era incumbida de transportar embalagens de medicamentos e substâncias, de esconder seringas usadas pelo norte-americano e até de disfarçar com maquilhagem, antes de um controlo “antidoping”, marcas que injecções de dopantes deixavam num antebraço de Armstrong (segundo Voet, vitaminas e produtos permitidos são administrados na parte inferior do braço, enquanto o antebraço é usado para injecções profundas de eritropoietina –EPO – e hormona de crescimento – hGH).

A massagista irlandesa assistiu à discussão na equipa US Postal sobre a forma como iriam justificar a presença de corticosteróides num controlo antidopagem realizado ao norte-americano no Tour de 1999 – optou-se por uma prescrição médica manipulada para tratar uma lesão fictícia, que a União Ciclista Internacional aceitou sem objecções – e lembra-se ainda da resposta de Armstrong quando lhe perguntou certa vez como iria recuperar de uma taxa de glóbulos vermelhos muito baixa: “Como os todos os outros fazem”, respondeu o ciclista, indiciando que a solução seria consumir EPO.

O’Reilly, que no livro denota ainda parte da grande admiração que tinha pela personalidade ganhadora de Armstrong, confirma os encontros entre o actual pentacampeão do Tour e Michele Ferrari, médico italiano que enfrenta um julgamento em que é acusado de ter incentivado a vários ciclistas o consumo de EPO, substâncias causadoras da morte prematura de muitos profissionais. “Eu tenho um problema com esse tipo e com os médicos da sua espécie. A minha carreira foi encurtada, vi um colega morrer, vi ciclistas limpos serem destruídos e obrigados a renunciar às suas carreiras. Não gosto no que se tornou o nosso desporto”, disse há três anos o norte-americano Greg LeMond a Armstrong, numa discussão por telefone em que o líder da equipa da US Postal ameaçou denegrir a imagem campeão do Tour em 1986, 1989 e 1990 – LeMond criticara Ferrari em declarações a uma reportagem de Walsh.

Para além do “doping”, o livro vasculha a forma como Armstrong se tornou um campeão nos EUA, antes de enfrentar um cancro nos testículos (os médicos deram-lhe apenas 40 por cento de hipótese de sobrevivência) e encetar uma recuperação lendária que o levou às cinco vitórias consecutivas no Tour. Num dos episódios abordados, o neozelandês Stephen Stewart conta que Lance e a sua equipa daquela altura, a Motorola, lhe propuseram pagar 50 mil dólares para que não lhes tentasse impedir uma série de vitórias, que valiam um milhão de dólares – Stewart não atrapalhou e recebeu o valor acordado.




Recurso de Lance Armstrong rejeitado

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O Tour arranca amanhã Peter Dejong/AP

O ciclista já perdera a acção na primeira instância judicial: a juíza Catherine Bezio ordenou que o norte-americano pagasse as despesas judiciais com a queixa, 1500 euros de multa e um simbólico euro à editora do livro, La Martiniere, e aos autores, o britânico David Walsh, repórter do “Sunday Times”, e o francês Pierre Ballester, ex-repórter do “L’Équipe”.

Entretanto, os técnicos do laboratório “antidoping” Chatenay-Malabry (Paris) cancelaram uma greve que estava convocada para o período em que decorre o Tour. O sindicato representativo dos assalariados revelou que o ministro do Desporto cedeu relativamente à exigência de melhores salários, perspectivas de progressão da carreira e vínculos duradouros de trabalho.

Desta forma, o laboratório cumprirá os prazos exigidos (48 horas para revelar os resultados de cada teste), durante uma prova em que a expectativa é grande relativamente à capacidade de Armstrong em conquistar o sexto título consecutivo perante a pressão da reforçada concorrência. Em Junho, o espanhol Ibán Mayo, da Euskaltel, bateu o norte-americano na Dauphiné Libéré e conseguiu a melhor marca de sempre na subida ao mítico Mont Ventoux – um contra-relógio de montanha que se repete agora com a escalada ao Alpe d'Huez –, mas recusa favoritismos no duelo com o pentacampeão: "Ao contrário de Armstrong e [Jan] Ullrich, nunca ganhei o Tour. Só quero fazer o melhor que possa, tendo em conta que vai ser difícil bater Armstrong”.

A competição mais importante do ciclismo de estrada inicia-se amanhã na cidade belga de Liège, com a realização de um contra-relógio individual de 6,1 km.

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