As mil e uma aventuras de Dorothy na Terra de Oz
"O Feiticeiro de Oz" pode ler-se como um livro de aventuras sobre as peripécias de Dorothy. O sucesso da obra - que deu origem a filmes, peças de teatro, programas de televisão e até jogos de computador - está, contudo, na riqueza das personagens e das atribulações por elas vividas, e assenta também na mensagem e nas interpretações que suscita.Vejamos Dorothy, a menina do Kansas, esse território plano, cerealífero e sem árvores do centro da América, que um ciclone transporta para uma Terra de Oz contrastante, cheia de povos e paisagens diversas. Por muitos rios de água cristalina que atravesse, por muitos seres simpáticos que conheça só tem um objectivo: regressar ao Kansas e aos tios.Quando o Espantalho diz que não percebe por que é que ela quer deixar aquela terra linda e voltar para esse "sítio vazio e sem cor que chamas Kansas", Dorothy responde: "Não importa quão tristes e sem cor as nossas casas sejam, nós pessoas de carne e osso preferimos viver lá que em qualquer outra terra, não importa quão bonita for. Não há lugar como a nossa casa."O Espantalho, esse, tudo o que deseja é ser dotado de inteligência e é isso que vai pedir ao Feiticeiro de Oz. Os diálogos entre Dorothy e o Espantalho estão cheios de significado. O Espantalho pergunta-lhe se ela acha que se for com ela até à Cidade Esmeralda, o Feiticeiro de Oz lhe dará um cérebro, e a rapariga responde: "Não sei, mas podes vir comigo, se quiseres. Se Oz não te der inteligência, não ficas pior do que estás agora."O Espantalho parte com ela, pela estrada dos tijolos amarelos até à Cidade Esmeralda, porque não quer que lhe chamem estúpido. "E como vou saber o que quer que seja, se a minha cabeça continuar recheada de palha, ao invés de estar cheia de inteligência como a tua?"Ao longo da estrada, a Dorothy e ao Espantalho juntar-se-ão o Leão Cobarde e o Lenhador de Lata, cada um com o seu drama. O Lenhador, porque a Bruxa Má de Leste lhe retirou o coração e o impediu de se apaixonar pela sua donzela. O Leão, porque, apesar de rugir, é mais medroso que um rato fugindo de um gato selvagem.Mais uma vez, é nos diálogos que reside grande parte da riqueza da obra. O Lenhador de Lata diz ao Espantalho que ter inteligência "não é o melhor do mundo". O Espantalho quer saber se o Lenhador de Lata tem alguma inteligência. "Não, tenho a cabeça vazia, mas, em tempos, tive inteligência, e também um coração. Assim, experimentados ambos, preferia um coração."O Espantalho ouve atentamente a história infeliz do Lenhador de Lata, a quem a Bruxa Má de Leste arrancou o coração para o impedir de amar uma donzela e comenta: "Ainda assim, vou pedir inteligência em vez de um coração, um estúpido não saberia o que fazer com um coração se o tivesse." O Lenhador de Lata responde-lhe: "Fico com o coração, inteligência não nos faz felizes, e a felicidade é o melhor do mundo."O Leão Cobarde, esse, confronta os leitores com a cobardia, esse sentimento desprezível e desprezado: "Todos os animais na floresta esperam que eu seja corajoso, visto que o Leão é tido, em todo lado, como o rei dos animais (...) vou convosco, porque, sem um pouco de coragem, a minha vida é insuportável."A Cidade EsmeraldaO melhor está para vir, no entanto, quando Frank Baum leva as personagens até à sonhada e admirada Cidade Esmeralda em busca do "poderoso e terrível" Feiticeiro de Oz, aquele que ninguém vê mas todos veneram, o único que pode restituir Dorothy ao Kansas, dar inteligência ao Espantalho, coração ao Lenhador de Lata e coragem ao Leão Cobarde.Para entrarem na cidade, e não ficarem cegos com o brilho das esmeraldas, todos têm de usar óculos. Oz é a cidade "maravilhosa", ruas com casas feitas de mármore verde e cravadas de esmeraldas reluzentes. A expectativa de serem recebidos pelo Grande Feiticeiro de Oz no seu palácio é enorme. E o Feiticeiro está pronto a dar-lhes o que quiserem se derrotarem, por ele, a Bruxa Má do Oeste. Cumprida a promessa, os protagonistas regressam para reclamarem o que lhes é devido. E descobrem a verdade: o Feiticeiro, afinal, não passa de um farsante, destituído de poderes, um condutor de balões de Omaha, Nebraska, que fora parar à Terra de Oz. Será esse "homem bom, mas mau feiticeiro", a explicar ao Espantalho que "só a experiência traz conhecimento", ao Lenhador de Lata que o coração "faz a maior parte das pessoas infelizes" e ao Leão Cobarde que só precisa de confiança em si.Ironia das ironias, o mau feiticeiro consegue "dar" aos três o que lhe pedem, mas terá de ser Glinda, a Bruxa Boa do Sul, a explicar a Dorothy que o segredo do regresso ao Kansas estava nos sapatos prateados da Bruxa Má de Leste, que calçara desde o início das suas aventuras em Oz...