Padres tendem a proibir marcha nupcial no casamento
A tendência tem ganho força noutros países, como a Alemanha, mas em Portugal já há párocos a proibir que a marcha nupcial, da ópera "Lohengrin", de Wagner, seja tocada nos casamentos católicos. Foi o que aconteceu, há uns meses, a Clara Brito: antes de falar com o padre acerca dos últimos detalhes da cerimónia do seu casamento, esta noiva não imaginava que a música com que sempre sonhara não poderia fazer parte da festa. "Quando lhe disse que gostaria que tocassem a marcha nupcial, ele respondeu 'Isso está fora de hipótese. Não se toca nas igrejas'", recorda Clara Brito. "Eu quis saber porquê, e ele falou mesmo assim: 'Wagner criou isso para acompanhar o contexto de uma orgia. Tal como não se toca música pimba nas igrejas, nem música de igreja nas festas, também isso não é apropriado para aqui", relata. Face ao argumento, a própria noiva pensou que talvez a marcha nupcial não fosse a melhor escolha, e optou pela "Ave Maria" de Schubert. "Mas foi uma cerimónia lindíssima", faz questão de sublinhar. O padre que presidiu à cerimónia do casamento de Clara, e que prefere o anonimato, confirmou ao PÚBLICO que nos casamentos por ele celebrados a marcha nupcial não é tocada. O motivo? Na sua opinião, a marcha nupcial está muito associada às "telenovelas", a um "desfile da noiva", quando "a igreja não é lugar para desfiles". "Quem está no centro da cerimónia não é a noiva, mas Deus", defende. "Quem quiser dar espectáculo tem outras opções. Pode casar-se numa quinta, só pelo civil", sugere.O padre repetiu o que dissera a Clara Brito: "A marcha nupcial de Wagner é uma ópera que foi criada para um contexto de orgia". Além disso, considera que a música tocada nas igrejas deve ser aquela que foi criada exactamente para esse fim, mas admite que "há músicas tocadas nas igrejas que não são as mais adequadas", e dá o exemplo da "Ave Maria", de Schubert. Segundo explica, esta também não foi criada para a igreja, "mas safa-se pela letra" e, por isso, não a proíbe.O cónego Ferreira dos Santos, presidente do Serviço Nacional de Música Sacra, disse ter conhecimento desta posição por parte de alguns padres, mas não é tão peremptório. Por um lado, não lhe "parece adequado colocar na igreja música que não foi feita para a igreja", da mesma forma que não lhe "parece adequado tocar num espaço profano música de igreja". Mas por outro, pensa que "não haveria de ser preciso proibir". O argumento de que a ópera foi criada para uma orgia não é, porém, partilhado pelo músico, que até se mostra surpreendido com essa ideia. "Orgia é um termo forte, a não ser que as pessoas chamem orgia aos acontecimentos decorrentes da vida dos humanos", esclarece. Proibição acontece mais no estrangeiroComo explicar, então, o facto de alguns sacerdotes permitirem a marcha nupcial e outros não? "A Igreja não se mete nisso", esclareceu Ferreira dos Santos. A única posição transmitida pela Igreja acerca do assunto foi através de um documento emitido nos anos 80 que "fomenta que nos templos haja concertos de música criada para a igreja", explica. Por este motivo, o padre considera que "a proibição não é tola", que "há bases", e que "não é por birra" que alguns padres o fazem. Ferreira dos Santos afirma ainda que esta tendência para não permitir que a marcha nupcial seja executada nas igrejas "existe mais no estrangeiro do que cá", dando até o exemplo da Alemanha. "Nos países mais cultos desse ponto de vista, isso acontece mais", justifica. A opinião do padre Carlos Azevedo, ex-pároco e vice-reitor da Universidade Católica, converge com a de Ferreira dos Santos. Quando era pároco, Carlos Azevedo "não fazia birra" relativamente à questão da marcha nupcial. "Há pessoas que utilizam a igreja como mero espaço de encenação. Mas não vamos ensinar as pessoas à pressa", refere. A atitude também se justifica pelo facto de a execução da marcha anteceder o momento litúrgico. Na sua perspectiva, o ambiente litúrgico "deve definir-se não só pelas palavras, mas também pela música". Em termos históricos, a marcha nupcial surgiu na tradição ocidental por "mimetismo", lembra Ferreira dos Santos. Em 1858, quando a princesa Victoria, filha da raínha inglesa com o mesmo nome, casou com o príncipe Frederico Guilherme da Prússia, a marcha de Mendelshon foi executada no início da cerimónia e a marcha de "Lohengrin", de Wagner, no final. Os príncipes de Inglaterra foram ao primeiros e copiar a ideia, mas a escolha foi-se tornando cada vez mais comum entre o povo. Porém, o músico considera que actualmente são cada vez menos os noivos que não escolhem a marcha nupcial. "Por intuição", conjectura. E acrescenta: "É escusado proibir uma coisa que está em fragilização progressiva".