Foo Fighters: remate em força para uma noite rock
O som estava um pouco agressivo, mas ninguém se importou. Os Foo Fighters vieram dispostos a arrancar todos do chão, a fazer levantar pó (tanto que quase cobria a lua) e a soltar o músculo rock que todos temos mas que nem sempre é exercitado convenientemente. Os aparelhos são os ideais: canções como "Breakout", "Learn to fly", "My hero", "Times like these" (na versão menos acústica possível), "Stacked actors" (música nova), "Tired" ou "This is a call" (a última da noite, já em encore).
À nossa frente temos uns Foo Fighters imparáveis: Grohl passeia-se pelo palco em divagações pela guitarra ou em conversas com o público; o baterista não perde a oportunidade de exibir a excelência técnica que já lhe conhecemos; e o público não perde pitada, apesar do cansaço acumulado (o concerto termina já depois das 2h).
Dave Grohl está também apostado em marcar posição em relação aos Guns n’ Roses, a banda que estaria a tocar neste momento se não fossem os avanços e recuos de Axl Rose. A meio do concerto, Grohl ensaia a guitarra inicial de "Sweet child of mine", ameaçando tocar a música dos Guns. "Não sei como se toca", diz. Paciência, não pode fazer a homenagem. Em vez disso, cospe para o chão e mantém o tom de desprezo: "Queremos agradecer aos Guns n’ Roses por terem cancelado o concerto, porque assim pudemos vir nós cá tocar em vez deles!". O público aplaude em sinal de aprovação. Território marcado.
Evanescence: o fenómeno incompreensívelQuando os norte-americanos Evanescence pisaram um palco português pela primeira (Coliseu de Lisboa, Outubro último) foi dado o benefício da dúvida: Amy Lee é desafinada e estridente ou o grupo foi vítima dos problemas de som? Hoje, as dúvidas desfazem-se. Para a pior conclusão. Se bem que isso não pareça provocar grandes manchas na devoção que hoje lhes é mais uma vez prestada.
Conclusão: "Fallen", o álbum-fenómeno-de-vendas-que-até-ganhou-um-Grammy, tem uma excelente produção por trás. Mas a transposição das músicas para o formato ao vivo trai essa superprodução e torna-se evidente a falta de calo (e, já agora, de ouvido) da banda. O concerto no Rock in Rio é elucidativo. Logo em "Haunted", a canção com que se apresentam depois de uma introdução pseudo-épica, a vocalista Amy Lee destrói quaisquer hipóteses de redenção. Iria desafinar ainda muitas mais vezes – a juntar a outras tantas fífias e falhas na voz. O pó não é desculpa. Se quer ser uma diva com Tori Amos, não é este o caminho.
É certo que os Evanescence têm uma base assinalável de fãs (muitos deles terão saído daqui desiludidos), mas não serão estes mesmos Evanescence demasiado tenros nestas andanças para ter este destaque no palco mundo do Rock in Rio? Mil vezes os nossos Xutos. O público português, noutras alturas tão exigente, perdoa mesmo assim. Os melhores momentos da banda (ou menos embaraçosos?) ficam por conta de "Going under", "My immortal", "Bring me to life" e a versão de "Zero", dos Smashing Pumpkins, com Amy sem voz nem garra para a aguentar.
Kings of Leon: o "hype" do country-rock-revivalista no Rock in RioFica a ideia - e o vocalista Caleb Followillde confirma-o - de que os Kings of Leon se sentem um pouco perdidos num palco deste tamanho. O facto de ainda só terem um álbum no currículo também não ajuda, pela dificuldade em preencher uma hora de actuação. Mesmo assim, o público - onde já se detectam fãs dos Evanescence - adere ao nervo do garage rock desta banda do Tennessee.
Os três irmãos (filhos de um pastor da igreja de Pentecostes) - e o primo dão a conhecer o disco que lhes granjeou o "hype": "Youth & Young Manhood". O entusiasmo da assistência não é dos maiores, mas sempre se revela em temas como o muito radiofónico "Red morning light", "Happy alone", "California waiting" ou "Molly's chambers".
Charlie Brown Jr: para brasileiro ver"Ô Charlie Borwn cadê você? Vim aqui só pra te ver". Eis a introdução, dita por Chorão na entrada triunfal em skate para o palco mundo. O vocalista dos Charlie Brown Jr encontra uma plateia formada essencialmente por brasileiros. Que vieram, sem dúvida, para os ver.
Passam poucos minutos das 20h e no recinto estarão já mais de 40 mil pessoas, segundo a organização (a previsão para esta noite é de 55 mil). Em frente ao palco maior, o sotaque sobressai e as bandeiras verdes/amarelas estão devidamente desfraldadas.
O público português é que ainda não os conhece bem, apesar de um histórico de passagens por cá em que se incluem os festivais Sudoeste e o Super Bock Super Rock. À excepção de "Te levar", o conhecido tema do genérico de uma novela, a festa é toda brasileira. Perante uma recepção assim, sentem-se em casa e a prestação acaba por deixar os fãs satisfeitos.
O rock da banda, contaminado de hip-hop, é servido por letras de intervenção, à mistura com boas doses de boa-disposição e a vontade de não ser levado demasiado a sério. "Somos a pior banda do festival", diz o próprio Chorão, antes de se mostrar um exímio tocador de... campainha. Mas contrapõe (ironicamente, depois da debandada pós-Xutos): "Mas temos o maior e melhor público".
Xutos & Pontapés: "em casinha" no Rock in RioQue mais se pode dizer dos Xutos & Pontapés que ainda não tenha sido dito? Talvez que faltava terem tocado aqui, no palco principal do maior festival do mundo. É tempo para um abraço colectivo de amigos. Cumpridores, sorridentes e rockeiros como sempre, os Xutos tocaram em casa e assinaram um dos melhores concertos até aqui. Só não se percebeu a injustiça de terem sido atirados para esta posição no cartaz (antes dos charlie Brown Jr?).
Tim e companhia arrastam multidões só por si. No caso do Rock in Rio, a chamada é para a multidão dispersa, em direcção ao vale do palco mundo. Vinte minutos depois das 18h, já uma enchente se reuniu para acompanhar palavra a palavra os refrões que o grupo deu ao nosso rock. O alinhamento é tão previsível e seguro quanto simples e eficaz. O grupo não arrisca e inclui apenas três momentos do novo álbum, "O Mundo ao Contrário": o tema homónimo, "Desejo" e "Ai se ele cai".
O resto do concerto é assim dedicado aos clássicos obrigatórios que toda a gente conhece de cor (mesmo sem ter os discos, basta ver os Xutos ao vivo de vez em quando para ficar logo por dentro da matéria). E por ali desfilam "Maria", "À minha maneira", "Chuva dissolvente", "Fim do mês", "Jogo do empurra", "Enquanto a noite cai", "Circo de feras", "Homem do leme" (mais perto da versão original), "Não sou o único" (dedicada aos estudantes no final das Queimas), "Dia de S. Receber", "Vida malvada", "Contentores" e, finalmente, "Casinha".
Depois do momento simbólico que foi actuar na primeira parte dos Rolling Stones no ano passado, fica o retrato de família no Rock in Rio, para a posteridade de uma banda que está a celebrar 25 anos de vida. E (mais) um testemunho de boa forma.
Seether abrem palco mundo com sucedâneos de NirvanaPó. Muito pó. O relvado do parque da Bela Vista já era, para empregar a expressão brasileira. E com uma banda como os Seether a abrir o palco mundo, a nuvem de pó é inevitável. Entraram no cartaz do Rock in Rio a reboque dos Evanescence, com quem têm andado em digressão.
A esperança de vislumbrar Amy Lee antes do concerto da respectiva banda tem a sua quota de responsabilidade no número de pessoas (poucas centenas) que se concentra em frente ao palco para ver os Seether. É que o único álbum do grupo até à data ("Disclaimer", de 2002) inclui "Broken", um dueto com a diva-"negra"-adolescente do momento. As expectativas não são defraudadas.
De resto, é a entrada de Amy que mais aplausos conquista. As outras músicas limitam-se a um (propositado?) vazio de ideias novas, limitando-se a recriar o grunge e, especialmente, a voz do ícone Kurt Cobain. Recriar não: imitar. Porque não é só o timbre do vocalista que é parecido (dizer igual seria heresia); os trejeitos também. Adivinhem como acaba o concerto? Com um "You know you're right". Exacto: dos Nirvana.