Paul McCartney, um profissional sem surpresas

%Susana Moreira Marques

Paul McCartneyLisboa, Rock in Rio-Lisboa, Parque da Bela Vista6ª feira, 22hMais de 40 mil espectadoresO concerto de Paul McCartney que sexta-feira abriu o Palco Mundo do Rock in Rio-Lisboa pode-se resumir numa palavra: profissional.Se por um lado não teve falhas, também não teve um momento de improviso, e não se nos abandona a sensação de que as palavras que o ex-Beatle disse a Lisboa são as mesmas (adaptadas) em todas as cidades em que toca. E que a bandeira portuguesa empunhada antes do último "encore" já estará guardada no baú enquanto a espanhola para hoje em Madrid está a ser passada a ferro.Há separação entre a figura, a persona pública de Sir Paul, com o seu sorriso gaiato e a sua entrega, e uma simultânea - e pelos vistos não incompatível - opacidade, como se precisasse de uma cortina mental que o resguarde de inseguranças criadas pela Beatlemania e os medos levantados pelo assassínio de John Lennon.Mas esforçou-se, e com bons resultados, para falar português. E tinha duas tradutoras a colocar nos ecrãs gigantes em português as frases que ele, lentamente, debitava em inglês.Os momentos de verdade aparecem, sim, mas poucos. Quando irrompe na multidão, espontâneo, um cântico de futebol com as palavras "Paul McCartney", e este diz, quase espantado, como se falasse de outro ser: "Yeah, that's me." Ou quando, antes de começar "Drive my car", recita algumas linhas da canção. "Asked a girl what she wanted to be, She said baby, can't you see I wanna be famous", e recordando um dia e uma rapariga já longínquos, desabafa: "Sim, foi mesmo assim."Nada de surpresas quanto ao alinhamento, exactamente igual ao de Gijón, Espanha, no dia 25 - até os improvisos foram iguais. A grande maioria foram temas dos Beatles, mais meia dúzia dos Wings e os remanescentes dos álbuns a solo. Uma escolha que reflectiu o que os espectadores pensam sobre a sua carreira, uma imagem a que McCartney lentamente se vai ajustando, após muitos anos em que tentava minimizar o seu passado com membro dos "Fab Four".Mais: o alinhamento é um reflexo da sua vida. Estão lá referências, mais ou menos explícitas, a quem o marcou - os mortos (Linda, John, George Harrison), e os vivos (Heather Mills, a nova mulher, Ringo Starr, os filhos). Tivemos assim os temas de relacionamentos e procura de vida a dois dos Beatles, os bombásticos hinos de estádio dos anos 70 de digressões com os Wings, e os temas a solo do calmo homem de família.Contrato de falsidadeAlgumas canções resultaram muito bem com a banda ("I saw her standing there", "Helter skelter", "I'll follow the sun", "All my loving") ou no formato solo acústico ("In spite of all danger", "Yesterday", "We can work it out"). Mas outros que tentou recuperar simplesmente não funcionam - "Penny Lane", por exemplo -, devido aos pirosos sintetizadores que substituem os originais sopros.Quanto ao próprio Paul, descontraído, passeou pelos instrumentos - baixo, pianos, guitarra acústica. Cantou, com uma voz que se mantém igual, clara na entoação e firme na projecção, mas por vezes com maneirismos escusados, ou mal colocada na mistura, como em "Back in the USSR". E foi enternecedor vê-lo a olhar para o braço da sua clássica Hefner a tentar recordar-se dos acordes da pouco tocada "Got to get you into my life"."Helter Skelter", na sua demolição decibélica e temática escatológica, é uma interessante indicação de que McCartney poderia ter escolhido perfeitamente outros caminhos musicais. Mas enveredou pela via (mais proveitosa) das melodias perfeitas. E foi por essas canções angélicas e pela possibilidade de ver por fim em carne e osso uma parte importante da história da música popular moderna que se deslocaram à Bela Vista mais de 40 mil espectadores. Tiveram o que quiseram - cantaram com "Eleanor Rigby", dançaram com "Lady Madonna", comungaram com "Hey Jude". E mesmo que tenham suspeitado que estavam a ser únicos para McCartney apenas enquanto durasse este concerto, não se importaram. E quando assim é cumpre-se o contrato de falsidade que os espectadores e os grandes artistas - ou melhor, os artistas muito famosos - implicitamente assinam com os seus fãs. E para selar o contrato, nada de sangue. Apenas uma lágrima partilhada em muitas faces enquanto se ouve "For none."Em resumoProfissionalismo a toda a prova, mas sem surpresas. O primeiro concerto em Portugal foi apenas mais um

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