Banda desenhada criticada nos EUA por mostrar cabeça decapitada

Na tira de hoje da banda desenhada Doonesbury, que será publicada em 1400 jornais nos EUA, a personagem Joanie está furiosa porque uma das suas amigas foi despedida da universidade em que trabalhava. Na última vinheta da tira, Joanie imagina-se a carregar uma bandeja com a cabeça do presidente da universidade.Esta tira está a causar uma controvérsia nos EUA. A publicação da tira pouco tempo depois da decapitação de um norte-americano no Iraque pode ser interpretada como insultuosa por muitos leitores. Na semana passada, o cadáver de Nick Berg foi encontrado em Bagdad; poucos dias depois, um vídeo na Internet mostrava a sua execução, com os seus captores a cortarem-lhe a cabeça.O autor de Doonesbury (uma das mais antigas, populares, e talvez a mais influente das tiras de banda desenhada na imprensa americana), Garry Trudeau, assegura que a tira foi concebida e desenhada muito antes da morte de Berg. A Universal Features, firma que distribui a Doonesbury, avisou os seus clientes do conteúdo da tira, e propôs uma outra em substituição.Houve jornais que decidiram não publicar a tira Doonesbury hoje, outros avançaram na mesma; muitos, no entanto, não têm alternativa. A página de banda desenhada nos suplementos dominicais de muitos jornais é fechada com enorme antecedência; para alguns jornais, o aviso da Universal Features já não veio a tempo.O autor de Doonesbury descreveu em comunicado o caso como "uma coincidência infeliz": "Lamento o mau 'timing', e peço desculpa a quem se sentir ofendido por uma imagem que é claramente de mau gosto."O site "Editor & Publisher" interrogou os responsáveis de vários jornais sobre se vão ou não publicar a tira Doonesbury. David Shribman, director do "Pittsburgh Post-Gazette", declarou que vai avançar com a publicação porque "não tem nenhuma relação [com a situação no] Iraque". Já Andrea Buck, do "Duluth News Tribune", disse que o seu jornal irá publicar uma carta aos leitores, explicando que só recebeu o aviso "quando era tarde demais e a tira já estava impressa".Doonesbury é talvez a mais importante banda desenhada na imprensa norte-americana. Clássicos como Peanuts, Calvin & Hobbes ou Dennis the Menace aparecem em mais jornais, mas Doonesbury tem um conteúdo político; em muitos jornais, esta tira aparece não nas páginas de BD mas na secção de comentários e editoriais.Há 33 anos que Garry Trudeau desenha diariamente as aventuras de um grupo alargado de personagens que comentam satiricamente a vida política e social dos EUA. A administração Bush tem sido alvo de muitas piadas na tira.Doonesbury tem frequentemente um conteúdo sério. Nas últimas semanas, a tira tem seguido a história de uma das suas personagens regulares, um soldado reservista que é enviado para combater no Iraque e é ferido: a sua perna é amputada. A amputação deu notícias nos "media" americanos, e foi criticada por comentadores políticos conservadores.Mas não é só Doonesbury que tem atraído controvérsia às páginas de banda desenhada dos jornais americanos. As tiras Boondocks e This Modern World são extremamente cáusticas na sua crítica ao Presidente George W. Bush. Até Get Fuzzy, uma BD sobre um cão e um gato, incluiu histórias com uma personagem ferida na guerra do Iraque.O "cartoonista" Ted Rall esteve este mês no centro de um caso ainda mais melindroso. Rall desenhou um "cartoon" em que criticava Pat Tillman, um jogador de futebol profissional que decidiu alistar-se voluntariamente no Exército e morreu em combate no Iraque. Rall chamava a Tillman "palerma"; milhares de leitores escrevam aos jornais cartas iradas contra o "cartoonista".A maior parte das tiras das páginas de BD da imprensa americana continuam a ser dirigidas a um público infantil ou apolítico. Mas as mais "politizadas" continuarão a falar de guerra. Garry Trudeau declarou à Reuters: "Quer pensemos que a guerra no Iraque é justa ou não, não podemos ignorá-la. Temos de nos lembrar dos custos terríveis que muitos soldados estão a sofrer em nosso nome".

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