Agustina, a prosadora, vence Prémio Camões
A escolha da escritora Agustina Bessa-Luís para Prémio Camões, o mais importante da língua portuguesa, levou só alguns minutos. O presidente do júri, o brasileiro Zuenir Ventura, não cronometrou a decisão, mas disse que foi rápido e fácil consagrar a escritora que começou a ser conhecida em 1954 com "A Sibila"."Agustina dispensou critérios para justificar. Foi uma decisão muito tranquila", disse Ventura, jornalista e colunista do jornal brasileiro "O Globo", acrescentando que a escritora é muito conhecida e respeitada no Brasil.A conferência de imprensa de anúncio do prémio começou com o ministro da Cultura, Pedro Roseta, a revelar que o júri não tinha ainda conseguido contactar a escritora, em viagem do Porto para Lisboa. Foi ainda o ministro que leu a acta do júri da 16ª edição do Prémio Luís de Camões, dado pelos governos de Portugal e do Brasil a autores de língua portuguesa e que tem o valor de 100 mil euros: "[...] O júri tomou em consideração que a obra de Agustina Bessa-Luís traduz a criação de um universo romanesco de riqueza incomparável que é servido pelas suas excepcionais qualidades de prosadora, assim contribuindo para o enriquecimento do património literário e cultural da língua comum."Além de Zuenir Ventura, assinaram a acta, que referia a atribuição "por unanimidade", Heloisa Buarque de Hollanda, também brasileira, os portugueses Eduardo Prado Coelho e Vasco Graça Moura, e por último Lourenço do Rosário, que se tornou no único representante dos países africanos de língua oficial portuguesa por causa da ausência do escritor cabo-verdiano Germano de Almeida, que não conseguiu deslocar-se a Portugal.Depois de o prémio ter sido atribuído no ano passado ao escritor brasileiro Rubem Fonseca, a discussão quase inexistente foi entre Portugal e África, ou seja, entre Agustina Bessa Luís e o moçambicano Mia Couto, uma vez que o nome de Herberto Helder foi afastado por causa da conhecida antipatia do poeta por prémios.De qualquer forma, o júri foi também unânime em explicar que o critério geográfico não obriga a uma repartição equitativa e que há apenas a preocupação de aplicá-lo com "bom senso". Foi Lourenço do Rosário que falou da "necessidade de dissipar alguma ansiedade" em relação à escolha de um autor africano, e que se tornou claro que "alguns premiáveis, ao lado de Agustina, ainda têm que percorrer um caminho". A discussão, explicou o presidente do júri, foi mais teórica, em redor dos critérios geográficos e de idade, do que propriamente nomes em competição.A especialista em literatura brasileira Heloisa Buarque de Hollanda (é prima por afinidade de Chico Buarque) pegou "no gancho do critério" e chamou a atenção para o prémio ser atribuído a uma mulher (é a quarta mulher premiada, depois de Rachel Queiroz, Sophia de Mello Breyner Andresen e Maria Velho da Costa). "É complicado também o critério de género", sublinhando que isso não foi levado em consideração pelo júri. "Num júri maioritariamente masculino, foi esquecido que ela era uma mulher, não é uma condescendência. Fiquei contentíssima, porque ela é muito boa", explicou mais tarde ao PÚBLICO.No encontro com os jornalistas, a especialista brasileira disse que Agustina, "enquanto mulher, traz um traço que é o melhor - a liberdade". "É uma malvada", afirmou, acrescentando que "ela tem uma autonomia de estilo rara". Sobre um dos temas que estuda, o género em literatura, Heloisa Buarque de Hollanda diz que na verdade detesta a questão e que prefere o critério da qualidade: "Ela tem um olhar feminino porque discute o poder o tempo todo e isso é coisa de mulher."Ao resumir o universo romanesco de Agustina, o crítico e ensaísta Eduardo Prado Coelho evocou a sua capacidade de criar personagens inesquecíveis, afirmando que a relação homem/mulher é um dos eixos centrais desse universo, em que "a superioridade intuitiva das mulheres" se opõe "à obtusidade racional dos homens". Livros onde abundam relações frias, à volta do poder, dinheiro e reconhecimento social, temperadas por uma virtude, a compaixão, que leva ao entendimento porque permite compreender o outro na sua fragilidade.O poeta e ensaísta Vasco Graça Moura começou por notar a sua capacidade produtiva, numa obra que vai em mais de 40 títulos. Falou da sua mestria em retratar a sociedade nortenha e a condição portuguesa, que recupera uma dimensão camiliana, mas que não se esquece de contemplar aspectos da vida contemporânea. "Uma obra com uma invulgar capacidade de recriar universos, que evolui através de personagens característicos."Prado Coelho lembrou que Agustina Bessa-Luís "se tornou ela própria uma personagem social" que se antecipa à personagem literária, sendo positiva, eufórica e exuberante.À Lusa, o ensaísta Eduardo Lourenço, que ganhou o prémio em 1996, disse que este é um prémio "para a imaginação em língua portuguesa". José Saramago, distinguido no ano anterior, disse que a atribuição é "absolutamente justificada", já que a qualidade da autora "é uma obviedade".