Mas foi sol (neste caso, lua) de pouca dura. No entanto, 20 anos depois, as criaturas híbridas e peludas voltam a estar na ordem do dia e a dar de novo um ar da sua graça. E de entre os vários projectos que têm surgido (e do que ainda vem aí, aguarda-se "Cursed", revisão pós-moderna pela dupla de "Scream", Wes Craven e Kevin Williamson), podem já destacar-se dois novos pontos altos: o canadiano "Ginger Snaps" (2000), de John Fawcett, e o inglês "Dog Soldiers" (2002), de Neil Marshall.
Enquanto o primeiro opta por uma abordagem mais cerebral, o segundo inscreve-se numa linha de diversão pura. "Dog Soldiers" poderá não ser tão excêntrico, mas nem por isso é menos aliciante. Por outras palavras: estamos perante um divertidíssimo filme de lobisomens, entre os melhores exemplos do subgénero.
A culminar um trajecto bem sucedido pelos festivais do fantástico, a primeira obra de Neil Marshall foi exibida em competição no Fantasporto2003. No final da sessão, a salva de palmas que lhe tributaram não foi mais do que o simples reconhecimento da sua condição de objecto feito por fãs a pensar em fãs. De facto, o amor por um género tantas vezes menosprezado salta à vista e essa dedicação aos princípios fundamentais de um universo funciona como um dos seus aspectos mais agradáveis. Uma postura de "pureza" entusiasmante que ajuda a explicar o sucesso comercial (em Inglaterra, bateu o recorde de estreia para um filme de horror britânico, com sequela já em preparação).
O essencial da intriga pode ser resumido assim: soldados ingleses, em exercícios nas montanhas escocesas, encontram um inimigo bem diferente do esperado: encurralados numa casa no meio da floresta, têm de enfrentar uma matilha de lobisomens esfaimados. É óbvio que já vimos isto - um grupo preso num espaço fechado; lá fora, uma ameaça à solta - noutros lados. Bastará pensar em "Night of the Living Dead", de George Romero, ou "Assalto à 13ª Esquadra", de John Carpenter, duas influências maiores, embora o filme convoque várias outras, dentro e fora do terror: de um modo directo ou indirecto, mas sempre subtil, são citados "Aliens", "Evil Dead", "Estado de Guerra" ou "Cães de Palha", com os quais "Dog Soldiers" partilha motivos e situações.
Porém, nada disto serve de obstáculo, pois a grande virtude do filme consiste precisamente no engenho com que são manobrados códigos e convenções familiares. Ou seja, "Dog Soldiers" não reinventa nada, "apenas" consegue que tudo pareça fresco. Numa demonstração de inteligência, Marshall constrói personagens credíveis e humanas, para que da parte do espectador exista o necessário investimento emocional. De forma igualmente perspicaz, o realizador começa por deixar nas sombras os monstros, papões que se escondem no escuro, apostando na sugestão, para depois os "destapar" aos poucos.
Orgulhosamente "artesanal", esta história de "porquinhos" e "lobos maus" é série B sem tirar nem pôr: económica e directa, explorando ao máximo a claustrofobia do cenário e exibindo uma saudável recusa em levar-se demasiado a sério. Prova disso é o humor delicioso (por vezes, bem negro) que alivia a tensão: a dada altura, tripas que caem de uma barriga voltam ao sítio com a ajuda de supercola, e torneiras, panelas ou "flashes" fotográficos tornam-se armas inesperadas...
Com um ritmo trepidante (o próprio realizador assina a montagem ultradinâmica), uma montanha-russa destinada a fazer uivar de prazer os amantes do fantástico. Preparem as pratas, as próximas noites vão ser de lua cheia.