Gerhard Richter, o ilusionista da pintura no Museu do Chiado
Viu-se pontualmente em exposições colectivas. E uma das suas telas faz parte da Colecção Berardo. Mas, a exposição que o Museu do Chiado, em Lisboa, hoje, às 19h, inaugura é a primeira mostra individual que se dedica, em Portugal, à obra do alemão Gerhard Richter, tido por muitos como o mais importante pintor vivo do mundo. Definida por Pedro Lapa, o director da instituição, como uma "antológica", "Gerhard Richter - Uma Colecção Privada" trata-se de uma mostra de contornos particulares, na medida em que decorre de uma iniciativa privada e não institucional.Desde os anos 80 que Georg Böckmann, um advogado berlinense com uma vasta colecção de arte alemã, tem vindo a comprar Richter. Mas não se limitou a adquirir obras dessa década e das seguintes. Optou por recuar até ao principio da carreira do pintor e ir acompanhando, depois, o seu percurso com compras em momentos estratégicos. Até ao ano passado, conseguiu reunir 30 das suas telas, cobrindo a produção do artista (o segundo mais caro do mundo - ver caixa) de 1960 até 2003. Mas foi em 2002, depois de ter emprestado várias delas ao Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), para a imensa retrospectiva "Gerhard Richter: 40 anos de Pintura", onde foi o coleccionador privado mais representado, que Böckmann decidiu mostrar ao público a totalidade desse núcleo de obras. Com apoio de um comissariado do crítico e curador independente Jürgen Schilling, acordou uma apresentação no Centro de Arte Contemporânea de Málaga para Janeiro deste ano (encerrou há apenas 10 dias). Foi este último que propôs uma parceria ao Museu do Chiado. Pedro Lapa, o director da instituição, diz ter encarado inicialmente a proposta "com algum cepticismo": "Depois das mega-retrospectivas feitas recentemente nos Estados Unidos e na Europa, tinha perdido um pouco a esperança de se poder fazer uma nova exposição digna do Richter." "A qualidade da colecção" convenceu-o do contrário: "É uma colecção muito completa, com muitas das melhores obras do artista, e muito diversificada, dando um panorama do seu percurso. Como colecção era extraordinária; como exposição, com 30 quadros, era ideal para as dimensões deste museu."Como mais vulgarmente acontece com coleccionadores privados de Richter, Böckmann nunca comprou desenhos, aguarelas ou trabalhos em espelho, optando por adquirir exclusivamente pinturas - 28 óleos sobre tela e dois sobre alumínio (trabalhos de 1999 e 2000). É por isso, explica o comissário Jürgen Schilling, que não se considerou licito assumir "Gerhard Richter - Uma Colecção Privada" como uma mostra retrospectiva. Mas está, mesmo assim, representada a caleidoscópica multiplicidade de abordagens que o artista tem feito à pintura e que tornam o seu percurso único na arte do século XX, nunca se comprometendo com um estilo ou movimento e atravessando, simultaneamente, áreas de uma suposta abstracção a realismos ambíguos e fugidios. De 1960 a 2003 em 30 obrasNascido em Dresden, na República Democrática Alemã, em 1932, Richter partiu para Düsseldorf em 1961, apenas dois meses antes da construção do muro de Berlim. Tinha saído da academia de artes de Dresden cinco anos antes e decidira continuar os seus estudos na Escola Superior de Arte de Düsseldorf. Formado na ortodoxia do socialismo realista, a chegada a uma das cenas artísticas mais fervilhantes da Alemanha de então, com o grupo Zero, o movimento Fluxus e a influência da Pop em pano de fundo, foi, para Richter, um choque. De tal forma que, logo nesse ano, depois da sua primeira exposição individual, acabaria por destruir quase todo o trabalho até então produzido. "Badende am Strand" (ou "Banhistas na Praia"), de 1960, a primeira obra (simbolicamente) proposta pelo percurso de "Gerhard Richter - Uma Colecção Privada", foi uma das poucas telas que sobreviveram a esse gesto de auto-rasura (mas que, mesmo assim, o artista voltou a "apagar", excluindo-a, como às restantes da mesma época, do seu catálogo "raisonné"). Optou-se por uma montagem cronológica, apenas com pequenas oscilações. Na opinião do comissário "é forçoso que assim seja no caso de Richter, e sobretudo num país onde não se conhece a sua obra": "Nada ultrapassa a surpresa de estar numa sala apenas com trabalhos abstractos e depois passar a outra onde está um quadro com flores, olhar para as datas e perceber que foram feitos na mesma altura." É o que acontece no Museu do Chiado. Na primeira sala, com "Badende am Strand" estão trabalhos, entre os primeiros, dos anos 60, que Richter realizou a partir de fotografias a preto e branco - as "photo paintings" que continua a realizar até hoje. É o caso de "Waldstück", de 1965, ou "Liebespaar em Wald", de 1966 (uma das obras emprestadas ao MoMA). Há ainda outras telas do mesmo género, mas já a cores, acompanhando a evolução da fotografia amadora. Mas há também trabalhos como "Stadtbild PL", de 1970, a perspectiva aérea de uma cidade num pintura fortemente gestualista, ou "Sechs Farben" ("seis cores") uma aparente abstracção, com seis quadrados coloridos, que é, na realidade, a reprodução realista de uma parte do catálogo de cores de uma loja de tintas.Richter defende que a pintura é ilusionismo. Quadros figurativos ou não figurativos, diz ele, são sempre "imagens" e estas nunca fazem mais que "aparentar". Nas duas salas seguintes da exposição, se essa sua perspectiva não é de todo evidente será onde é especialmente verdadeira. Para além de uma das suas conhecidas "pinturas cinzentas" ou uma variação sobre o tema das "vanitas" reproduzido na imagem em baixo - quem cresceu com a banda rock Sonic Youth lembrar-se-à de uma tela desta família na capa de "Daydream Nation" -, há sobretudo "abstracções": são geralmente uma falácia. A começar pelo grande tríptico "Ausschnitt", de 1971 - é a reprodução de uma fotografia que o artista tirou à sua própria paleta; uma opção "realista", portanto. Da exposição faz ainda parte "Decke" (1988), uma das telas da série "October 18, 1977", dedicada ao grupo Baader-Meinhof - Gudrun Ensslin, quando se enforcou na prisão. É uma versão de uma obra da colecção do MoMA que Richter retrabalhou.Gerhard Richter - Uma colecção privadaLISBOA Museu do Chiado, R. Serpa Pinto 4. Tel.: 213432148. De 4ª a dom., das 10h às 18h; 3ª das 14h às 18h (encerra à 2ª). Até 7 de Junho.