Ena Pá 2000 encheram auditório de Serralves
"É de antologia: os Ena Pá 2000 na Fundação de Serralves! Já os vi na Queima das Fitas de Coimbra, do Porto e da Beira Interior, mas vê-los num museu de arte contemporânea... Não estava à espera...!" Ontem de madrugada, à saída do lotado auditório do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto, o fã Carlos Mendes, 24 anos, ainda tinha dificuldade em acreditar na actuação dos ex-Modess & Aderentes, a comemorarem 20 anos de carreira.O concerto, que desvendou pela primeira vez ao vivo o recente disco "A Luta Continua!", fez parte da iniciativa "6=0 Homeostética - 48th Kavod Party", que durante dois dias fez uma retrospectiva dos Homeostéticos, o movimento de artes plásticas português dos anos 80 com a exposição "Continentes" (até 4 de Julho), música, vídeo, "performances" e o lançamento de dois livros.O tempo voltou mesmo para trás. Tal como em 1986, depois da abertura na Sociedade Nacional de Belas Artes da quinta e última exposição homeostética, "Continentes" - com trabalhos de humor irónico e irreverente de Fernando Brito, Ivo, Manuel João Vieira, Pedro Portugal, Pedro Proença e Xana, de 1982 a 1987 -, os Ena Pá 2000 atacaram o palco.À excepção do vocalista Manuel João Vieira, os Ena Pá não vestem a camisa homeostética mas têm tatuada a filosofia anti-banalidade. Os dez membros da banda de Oeiras - veio da mesma fornada dos Pop Dell'Arte, Essa Entente e Linha Geral - têm mais de 40 anos, mas parecem os mesmos "putos irreverentes".O ambiente de feira popular, banda filarmónica e temperatura caribenha é uma viagem retro-irónica recheada de humor ácido e devoção brejeira, com muita genica, muita cerveja Vieira ("branca ou loira, é igual ao litro") e muita careta, palavrão e lambidela no microfone. A popularidade invulgar do rock circense para minorias resistiu intocável, respeitada e com falange assegurada (os jovens dominaram claramente a plateia), que sacudiu os pescoços nas novas "Mulher do Norte" ou "Tourada" e ecoou os refrões dos outros seis discos da carreira em "Marilú", "És Cruel", "Menina Azul" e "Gajo Muita Fixe", o tema que encerrou, às 4h, quase duas horas e meia de espectáculo.A arte de dormir em SerralvesA exposição de "6=0 Homeostética" é composta por 150 obras, especialmente de pintura (há telas de 10 por 2,5 metros), escultura e BD, surgindo como um cubo de Rubik com pós de surrealismo e do absurdo paródico para descrever os seis continentes dos seis artistas. Como o título indica, é uma espécie de Tordesilhas a seis, com entusiasmo citacionista - há diversas frases soltas no chão ("Faltam ovos para fazer a galinha") ou nas janelas ("É fugindo que nos reencontramos") - e ligação directa à ficção, mitologia, sonho e infância, nomeadamente a Noé e à Alice de Lewis Carrol.Depois da anulação, em cima da hora, do percurso poético-sonoro "Walking Around Serra da Estrela", por impossibilidade de os declamadores da Barracuda Transmontana, a "48h Kavod Party" incluiu ainda com a "performance" "The Art of Siesta", com um homem deitado num canto do museu a dormir, a conferência "Economy of the Unknown Artist", a "retrokitchpop" do DJ Pasquale Ferrara, e a apresentação dos livros "Os Apetites de uma Pantera Portátil", de Pedro Proença, e "Só Desisto se For Eleito", de Manuel João Vieira.O Movimento Homeostético surgiu há duas décadas para propor que os artistas se auto-organizassem em relação aos modos de exposição e ao mercado e, hoje, dizem os fundadores, o "verdadeiro espírito do grupo é o da espontaneidade forçada". O movimento acabou por desaparecer em 1987 porque, explicou Manuel João Vieira ao PÚBLICO, "alguns artistas viram as exposições realizadas como tentativas de promoção individual em vez de se sobrepor a dinâmica de grupo". Além disso, acrescentou, hoje não é possível repetir a fase pós-revolucionária e pré-CEE.No Verão, a Casa das Artes de Tavira inaugurou a exposição "Academia de Vanguarda" também para celebrar os 20 anos do movimento.