Valentim Loureiro e mais quinze arguidos detidos pela Judiciária

A juiza Ana Cláudia Nogueira não teve dúvidas: antes de ouvir os 16 detidos necessitava do dia de ontem para analisar a vasta documentação apreendida pela Polícia Judiciária do Porto nas 60 buscas efectuadas e que vai desde suportes informáticos de computadores da Liga dos Clubes e da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) até relatórios de jogos e classificações de árbitros. Por isso, Valentim Loureiro e os restantes detidos passaram a noite nos calabouços da PJ.A documentação apreendida é essencial para, juntamente com indícios obtidos através de escutas telefónicas e outras técnicas de investigação policial, confrontar os arguidos com as suspeitas que lhes são imputadas. Tráfico de influência, falsificação de documento e corrupção da verdade desportiva, são os crimes que estão no centro da investigação.Mas essa documentação será também decisiva para determinar se vão ou não ser abertos novos inquéritos sobre outros casos de corrupção no futebol. O PÚBLICO sabe que alguns dos documentos apreendidos são relatórios e classificações de árbitros que vão ser analisados à lupa e podem determinar novas investigações. Este é um cenário que está em cima da mesa, embora os responsáveis da PJ do Porto recusem leituras especulativas sobre se esta é ou não uma operação "Mãos Limpas" no futebol português.Sobre a operação "Apito Dourado" e as especulações de imediato geradas quanto à sua amplitude, um responsável da PJ do Porto adiantou ao PÚBLICO que a investigação "versa sobre factos e não pessoas", descartando qualquer leitura antecipada sobre o crescimento ou não do processo para outros níveis de suspeição. De resto, sublinhou o facto de a investigação ter sido mantida em segredo absoluto durante um ano e de nenhuma televisão ter filmado os arguidos à entrada para as instalações da PJ.As suspeitas de falsificação de documentos dos órgãos de cúpula da arbitragem e do futebol são muito importantes para reconstituir a alegada prática de crimes de corrupção e tráfico de influência relacionados com alguns jogos do FC de Gondomar na II Divisão B e na Taça de Portugal. Neste contexto, um dos detidos é um funcionário administrativo da FPF, chefe do departamento de informática, que tinha acesso aos computadores e à documentação relacionada com os jogos.Por tudo isto, Gondomar vai ser hoje o centro de gravidade do futebol português e para o tribunal desta cidade dos arredores do Porto serão encaminhados os 16 dirigentes desportivos e árbitros detidos pela Polícia Judiciária, numa mega operação que envolveu 150 inspectores desta polícia de investigação criminal desde Bragança a Setúbal. A juíza Ana Cláudia Nogueira, que poderá ser auxiliada por um outro magistrado, irá decidir se confirma ou não a detenção dos 16 arguidos, entre os quais, figuram Valentim Loureiro, presidente da Liga Portuguesa do Futebol Profissional (LPFP), e Pinto de Sousa, presidente da Comissão de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol.Visando clarificar se a verdade desportiva foi adulterada em jogos disputados pelo F.C. Gondomar na Taça de Portugal e na II Divisão B, prova em que o clube é líder com um avanço de quatro pontos em relação aos Dragões Sandinenses, de Vila Nova de Gaia, a operação da Judiciária promoveu uma autêntica razia na Câmara Municipal de Gondomar. Foram detidos três autarcas, nomeadamente o presidente Valentim Loureiro, o vice- presidente José Oliveira e Castro Neves, que se preparava para substituir uma vereadora que suspendeu o mandato. Outra autarquia, a do Marco de Canavezes, também se viu envolvida no roteiro das buscas, por ali estar sedeada a comissão local de árbitros, cujo presidente também foi detido.O primeiro interrogatório de arguido é uma diligência que se prevê complexa e a juíza irá confrontar os arguidos com os indícios recolhidos pelos investigadores da Directoria do Porto daquela corporação. E no fim a magistrada judicial deverá concluir se há ou não fortes indícios da prática dos crimes de corrupção no fenómeno desportivo, tráfico de influências e falsificação de documento. A medida de coacção estará ainda condicionada pela proposta que o Ministério Público fizer e pela avaliação que a juiza Ana Cláudia Nogueira faça quanto ao risco de perturbação das investigações, de continuação da actividade criminosa e de alarme público.Os suspeitos foram alvo de escutas telefónicas e de outros processos de recolha de prova, consumados nos últimos meses, que foram acentuando suspeitos de falseamento da verdade desportiva através das arbitragens. As 60 buscas ontem realizadas visaram a recolha de outros indícios e a Polícia Judiciária promoveu a apreensão de inúmera documentação nas instalações da F.P.F., da LCFP e de vários clubes sedeados em Braga e Bragança, na Figueira da Foz, em Leiria e em outras localidades.Além de terem realizado buscas nas residências de vários árbitros, os investigadores regressaram ao Porto com outra prova documental. À ordem dos autos ficaram vídeos com imagens de desafios e cópias de documentos de arquivo, apreendidos em pastas ou no disco duro de alguns computadores. Major "calmo" e Morgado satisfeitaÀ medida que as detenções iam sendo feitas, os arguidos eram encaminhados para as modernas instalações da Direcoria do Porto da PJ, cuja zona prisional foi ontem ocupada por detidos pela primeira vez. À saída, Lourenço Pinto, advogado de Valentim Loureiro e ex- presidente do Conselho de Arbitragem da Liga, assegurou que o major estava "perfeitamente calmo". O causídico realçou ainda que o presidente da LPFP era "um homem despido de quaisquer responsabilidades, de qualquer coisa que o pudesse atormentar". Reconstituindo as primeiras horas do dia de ontem, Lourenço Pinto revelou ter acompanhado Valentim Loureiro na breve deslocação entre a zona da sua casa na Boavista, onde foi interpelado pela PJ por volta das nove da manhã e Paranhos, onde está sedeada a directoria da PJ, acompanhado por dois investigadores. Lourenço Pinto garantiu nada saber sobre o inquérito que motivou a detenção do presidente da Câmara Municipal de Gondomar. "Não conheço a natureza dos autos". Igualmente parco em palavras estava Quelhas Lima, advogado de António Pinto Sousa, actual presidente do conselho de arbitragem da FPF e ex- presidente do Boavista como Valentim Loureiro. Anunciando a diligência prevista para hoje no tribunal de Gondomar, Quelhas Lima afirmou: "Foi tudo de surpresa. As pessoas foram surpreendidas por mandados de detenção". Pioneira na elaboração da tese acerca de alegadas ligações promíscuas entre as autarquias e o futebol, Maria José Morgado foi muito solicitada durante o dia de ontem pela comunicação social. A antiga directora nacioonal adjunta da PJ foi telegráfica. "Parabés. Sempre confiei na vontade dos operacionais e só espero que os tribunais e os magistrados estejam à altura". "Quanto à detenção de 16 arguidos, parece-me ser o único método a seguir para a efectiva preservação da prova. É um método adequado para situações graves", realçou a procuradora-geral adjunta.* com Ana Cristina Pereira

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