"A laranja de Ermelo é natural, não é como as que parecem senhoras todas maquilhadas"
Nas serranias do Soajo há uma aldeia que poderia bem ser o "Pomar das Laranjeiras" que Teresa Salgueiro um dia cantou. Há séculos que a população de Ermelo, cada vez mais rara e envelhecida, jurou eterno amor a um fruto, doce, pouco ácido e sumarento, que os portugueses desconhecem mas cujas virtudes são apreciadas pelos espanhóis. É uma laranja pequena, quase sempre demasiado pequena para as normas europeias, e suja, cujo aproveitamento comercial está ser impulsionado por duas associações locais, que têm por objectivo escoar pelo menos 26 das cinquenta toneladas produzidas anualmente, quase sem intervenção do homem. A colheita fez-se por estes dias. "A nossa laranja é natural, não é como aquelas do Algarve que parecem senhoras todas maquilhadinhas". É desta forma que Manuel Marujo, 63 anos caracteriza o fruto que há mais de quarenta anos vê brotar das árvores, que foram plantadas pela sua mulher logo após o casamento, no pomar que rodeia a sua casa, na pacata aldeia de Ermelo, em Arcos de Valdevez. Uma descrição aparentemente simples, mas que diz tudo sobre o fruto, que cresce às toneladas e quase sem intervenção humana nos extensos laranjais da freguesia situada junto à margem direita do rio Lima, na Serra do Soajo, a vinte quilómetros da sede de concelho. De aparência rústica, com casca fina, pouco ácida, doce, sumarenta e quase sem sementes, a centenária laranja de Ermelo está afastada do circuito do mercado nacional da fruta. Mas já foi descoberta pelos espanhóis que se deslocam ao lado de cá da fronteira para a comprar à porta do produtor e, desde há cerca de dois anos, começou a abastecer cafés, pastelarias, frutarias, mercearias e supermercados, escolas e centros comunitários da região de onde é originária, que a utilizam, sobretudo, para produção de sumo. A cultura de citrinos em Ermelo vem de longe. Reza a história que terão sido os Monges de Cister a introduzi-la naquela freguesia, já com alguns séculos de existência. Atravessou gerações e hoje continua a ser, uma das principais formas de subsistência da população da aldeia, envelhecida a olhos vistos. A esmagadora maioria dos produtores são idosos e a colheita da laranja há muito que se tornou uma tarefa quase impossível para os seus corpos debilitados, até porque o facto de as árvores não serem podadas faz com que o fruto cresça desordenadamente nas copas cada vez mais altas e de difícil o acesso. Segundo a Associação Regional de Desenvolvimento do Alto Lima (ARDAL) - que juntamente com a Associação a Associação de Desenvolvimento Local de Ermelo (ADLE) está a promover, desde há dois anos, um projecto de promoção, colheita e distribuição da laranja de Ermelo - este constitui um dos principais factores que, associado à débil imagem comercial do produto, dificultam o escoamento das mais de 50 toneladas de laranjas em condições de serem comercializadas, que ali são produzidas anualmente. "As laranjas são como as pessoas""A laranja não é muito bonita e vem suja, e por isso os consumidores no mercado normalmente não optam por ela" justifica Otília Xavier da ARDAL, acrescentando a seguir que "quando as pessoas procuram uma coisa 'bonitinha' não querem saber o que está lá dentro". Na aldeia de Ermelo, a linha de pensamento é a mesma. "As laranjas são como as pessoas. Umas são lindas e outras não tem tão bom aspecto mas também têm bom coração" comenta a rir Maria Araújo, de 64 anos, esposa do produtor Manuel Marujo. Actualmente o casal conta cerca de três dezenas de laranjeiras, que todos os anos se carregam de laranjas que acabam, muitas delas, por ser vendidas à porta e outras por cair e apodrecer na terra. "Nós temos conseguido vender muita desde que os espanhóis começaram a vir. E há pessoas que vendem aos seis e oito cestos (com vinte quilos cada um) de cada vez" conta a mulher, logo interpelada pelo marido que defende: "A nossa laranja tem fama porque é criada sem produtos". Na casa ao lado, Rosa Preto, com 71 anos, afirma também, enquanto ajeita o lenço da cabeça com uma das mão e segura uma enxada na noutra, que a laranja de Ermelo "é superior. É pura como Deus a dá", e que por isso tem cada vez mais saída. "Agora vende-se melhor. Antes não tinha grande corrente, porque os espanhóis não sabiam onde era Portugal" brinca.