A vitória anunciada de Thabo Mbeki
Thabo Mbeki prepara-se para ser reconduzido nas eleições gerais de hoje que darão uma vitória clara ao Congresso Nacional Africano (ANC), num voto sem adversários de peso para o partido no poder. Uma das incógnitas é o nível de abstenção. A outra é saber se o ANC conquistará uma maioria de dois terços, necessários para uma revisão da Constituição, que abriria caminho à possibilidade de um terceiro mandato e o reforço dos poderes do Presidente. Mas de Thabo Mbeki espera-se que queira ser um exemplo para Africa, e renuncie a essa hipotese, em 2009. Dez anos depois do fim do apartheid, a vitória anunciada deve-se ao forte apoio que tem o ANC como movimento histórico de libertação, e às "deficiências da democracia sul-africana". Ao contrário do ex-Presidente Nelson Mandela que recentemente falou de "uma democracia firmemente estabelecida", o analista político Andre Thomashausen, e professor da Universidade da África do Sul, em Pretória, considera que "a África do Sul é na realidade um país de partido único". Em entrevista telefónica ao PÚBLICO, explicou: "A oposição é tão pequena e fragmentada que não conta, se seguirmos a própria definição de oposição que é a de ser um organismo com capacidade para formar governo". Talvez um dia, o ANC deixe o poder. Mas apenas num cenário em que a ala esquerda, mais africanista abandone o partido e estabeleça uma nova formação com os pequenos partidos de esquerda.Para já, mais de 30 partidos - dos quais, na oposição, se destacam a Aliança Democrática, o Novo Partido Nacional, e o Partido Inkhata da Liberdade - apresentam candidatos. Mas nas circunstâncias em que nenhum surge como verdadeira alternativa ao ANC, a escolha mais natural para os que se opõem ao partido no poder, é não irem votar. A abstenção será o reflexo de uma certa apatia mas também a expressão de alguma oposição. Nos últimos cinco anos, o Presidente investiu na construção de casas para os mais pobres, na melhoria das suas condições, e das redes de água, luz e saneamento básico. A nível nacional, reconhecem-se progressos lentos, mas visíveis, nas condições de vida da população. Mas com a valorização do rand sul-africano, a crise instalou-se nas minas e outros sectores de exportação. Muitas empresas fecharam e o desemprego disparou - ronda os 40 por cento. A criação de empregos, a luta contra a criminalidade e o combate à SIDA, que atinge 18 por cento da população, serão, nos próximos quatro anos, os desafios do Presidente.A nível internacional, o Presidente impôs o seu estilo. "Thabo Mbeki é o grande renovador de África no século 21, o homem que consegue através de uma politica suave, uma diplomacia de persuasão, pressionar países africanos que têm continuado a ser regimes ditatoriais a aceitar uma mudança, mesmo que ténue e lenta", continua Andre Thomashausen. O analista político lembra que o Presidente sul-africano foi um dos principais impulsionadores do NEPAD (Nova Parceria para o Desenvolvimento de África) no seio da nova e mais dinâmica União Africana (que substitui a Organização de Unidade Africana), à qual está subjacente a ideia de se estender a boa governação a todos os países do continente africano. Mas a opção de não confrontar o seu homólogo Mugabe do vizinho Zimbabwe, suscita dúvidas - em países ocidentais - relativamente à vontade política de Mbeki, nesta questão. Os mais optimistas realçam que a África do Sul serve de ponte entre os ricos e os pobres e aderiu à aliança histórica do Sul - que juntamente com o Brasil e a Índia, forma o G3. Além disso, é um candidato sério a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Na África do Sul do pós-apartheid, Nelson Mandela foi o símbolo da reconciliação; o homem que lhe sucedeu é hoje o símbolo da modernização do país. "Depois de ter mantido a África do Sul no caminho do sucesso económico, Mbeki colocou o país numa posição chave a nível das relações internacionais", considera Thomashausen, que traça outras distinções: "Enquanto Nelson Mandela exprime um calor humano muito forte, conseguindo integrar toda a nação de uma forma muito especial, Mbeki tem fugido para um discurso um bocado divisionista, por vezes mesmo racista, que acentua os direitos originários da população africana". Ao fim de cinco anos de governação de Mbeki, uma grande parte da população europeia, na África do Sul, sente-se afastada e mesmo excluída do futuro do paísMbeki tem, por outro lado, um estilo mais reservado, optando por não aparecer muitas vezes em público. Nesta campanha, deixou de lado a timidez e o estilo intelectual que o caracterizam e tentou adoptar um estilo mais popular, descendo à rua e conversando com a população. O ANC quer uma vitória esmagadora a nível nacional, maiorias reforçadas em sete das nove províncias e maiorias absolutas em duas províncias onde partilha o poder: Cabo Ocidental e KwaZulu Natal.O duplo voto - legislativo e provincial - vai eleger a Assembleia de 400 deputados, e as assembleias locais das nove províncias. A conquista de uma maioria de dois terços - acima dos 70 por cento - além de ter relevância simbólica, representa um significativo revés para uma oposição, que embora só aspire a uma fatia de 30 por cento dos votos, tem alertado para o risco de uma gestão autoritária de um ANC com poderes reforçados. Em 1994, o ANC conquistou 62,6 dos votos, aumentando esse resultado para 66,4 por cento dos votos nas eleições de 1999. O Presidente, eleito pelo Parlamento, é quem chefia o Governo. Dessa margem de vitória, dependerá a sua influência no Parlamento e dentro do próprio ANC.