Hidalgo, um cowboy das arábias

Em vista de tal currículo, não admira a segurança e a despretensiosa agilidade de um filme como "Hidalgo" que, partindo de uma história verídica, a de Frank Hopkins, correio do Pony Express e membro da trupe do Oeste de Buffalo Bill, que teria vencido nos confins das Arábias um concurso de raça e resistência. Ao impor um Mustang sobre os puro-sangues, justificava, em simultâneo, a sua origem mestiça, filho de branco e de índia, a cavalo entre duas culturas e dois mundos.

Uma história assim poderia originar pretensiosas especulações revisionistas sobre o genocídio ou, nos seus antípodas, reaccionária metáfora para justificar intervenções americanas na zona do Golfo. Em vez disso, "Hidalgo", com a noção do seu estatuto de divertimento, trata com delicadeza os problemas rácicos e refugia-se na lógica do entretenimento, convocando outros objectos fílmicos, que cita ou cujo universo aflora: desde o longínquo "Tonka, o Herói da Batalha" (1958), também da Disney, em que Little Big Horn é apresentada a partir da perspectiva índia, tendo como herói titular um cavalo, até ao épico "Lawrence da Arábia" (Lean, 1962), de que herda Omar Sharif, passando por tangentes às corridas de pioneiros de "Cimarron" (1930 e 1960), ou ao "show business" recriado em musical, em "Annie Get Your Gun" (Sidney, 1950), para já não falar da incontornável certidão de óbito do cinema clássico (e do "western"), "Os Inadaptados", com os Mustang no centro da acção.

No entanto, "Hidalgo" encaixa também na lógica do filme de aventuras da Universal dos anos 40, misturando géneros, entre o "western" e o "filme oriental", com uma noção do ritmo necessário para prender o espectador a uma ténue trama de heroísmo e amores castos, típica da Disney. No protagonista, Viggo Mortensen poderá não ter a mobilidade e o "panache" de um Errol Flynn, mas revela extremo à vontade para oscilar entre registos: muito bem como "cow-boy" decadente e credível como peça deslocada de um jogo intercultural absurdo e "kitsch".

Apesar de apostar na acção, "Hidalgo" não dispensa os condimentos essenciais: diálogos convenientemente certeiros como o que integra a ferradura na feitura do café, ou planos inacreditáveis do pôr-do-sol no deserto.

Ao contrário de "O Último Samurai", o filme nunca cede a historicismos descabidos, optando antes por descabeladas perseguições e incongruentes, mas divertidíssimas, conspirações para raptar a filha do "sheik" ou forjar a traição para assegurar a vitória de um dos favoritos, a égua da senhora inglesa, Brit (a muito decorativa Louise Lombard), a propiciar elementos fulcrais da narrativa, tendas luxuosas, cházinhos e incursões pela moda feminina vitoriana.

Fica, portanto, um delicioso filme de aventuras, apesar da longuíssima metragem (mais de duas horas). Quem quiser discussões "sérias" sobre o contexto da corrida poderá revisitar "Desafio à Coragem" (Richard Brooks, 1975). Este "modesto" incurso pelas aventuras e desventuras de um dos "últimos cow-boys" ficará apenas como simpática nota de rodapé ao discurso épico. E já não é pouco...

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