Assim, assistimos a um movimento de recuperação do riquíssimo património fílmico legado nos 70's por autores como John Carpenter, George Romero, Wes Craven ou Tobe Hooper. Os primeiros sinais do regresso a um terror "puro e duro", mais "sujo", manifestaram-se em "Jeepers Creepers" e, durante os próximos meses, as salas portuguesas conhecerão, a conta-gotas, novos capítulos deste fenómeno: o badalado "Cabin Fever", "Wrong Turn" e os "remakes" de "Massacre no Texas" e "Dawn of the Dead" (obras-primas de Hooper e Romero).
Se os resultados estarão à altura das intenções, é cedo para se saber. Mas uma coisa já se pode assegurar: antes de todos eles, acaba de estrear outro, que é só um dos filmes de terror mais entusiasmantes dos últimos tempos. Falamos de "Terror Sem Fim", a primeira longa-metragem de dois franceses, Jean-Baptiste Andrea e Fabrice Canepa, que chega após um percurso triunfal pelos festivais de cinema fantástico (esteve no último Fantasporto), coroado com os prémios conquistados em Bruxelas e Montreal. Foi rodado em inglês na América, em 18 dias, o que dá uma ideia do espírito da coisa: série B sem tirar nem pôr, directa, fazendo da frugalidade de meios uma virtude (como os "antepassados" de há 30 anos).
A premissa é simples: a caminho de passar a enésima Véspera de Natal a casa dos sogros, um homem (óptimo Ray Wise, para sempre o Leland Palmer de "Twin Peaks") resolve, pela primeira vez em vinte anos, levar a família (no carro estão ainda a mulher, o filho adolescente, a filha mais velha e o namorado desta) por um percurso alternativo. E é essa pequena decisão, motivada pelo desejo de quebrar a rotina, que vai desencadear uma longa noite de pesadelo, pois a estrada escolhida - aparentemente interminável, mal iluminada e cercada por uma floresta ameaçadora - esconde surpresas várias.
Adiantar mais seria impedir a fruição de um engenhoso exercício que trabalha o medo com as armas do rigor e da tensão, aproveitando as potencialidades claustrofóbicas do espaço em questão e originando momentos de "suspense" por vezes à beira do insuportável. A aposta recai na sugestão, com os terrores da mente a assumirem primazia sobre o "gore" mais explícito, e há imagens que poderão tornar-se icónicas dentro do género (cujos códigos a dupla de cineastas domina com virtuosismo): o carrinho de bebé que, sem razão aparente, surge no meio da estrada, ou o carro funerário que ciclicamente atravessa a escuridão, transportando um dos protagonistas na bagageira.
Se a lógica assumida é a do surrealismo bizarro, algures entre a "Twilight Zone" e Lynch, o que é decisivo é a forma como se constrói um retrato de disfunção familiar: à medida que o desespero aumenta, o clã Harrington - suposto exemplo de "normalidade" de classe média - entra em colapso e desintegra-se, com os esqueletos no armário de cada um a serem descobertos. É o lado "escuro" da família americana que está em causa, como em tantos títulos míticos do terror dos 70's, e é muito por aí (e pela sua "crueza") que passam as tangentes entre "Terror Sem Fim" e esse passado distinto. Mas há uma diferença assinalável: ao contrário do que acontecia na maioria dos clássicos em que se inspiraram, Andrea e Canepa dissecam a instituição com o bisturi do humor negro. Perverso, sádico, irresistível e, mais importante e difícil, sem entrar em curto-circuito com os sustos que se querem provocar.
Só é pena o final, frouxo e pouco imaginativo, que impede este sério candidato a "cult movie" de atingir patamares mais elevados. Ainda assim, não apaga o que fica para trás, conseguindo manter um travo a ambiguidade bastante adequado. E, bem vistas as coisas, desde o "Halloween" de Carpenter, quantos filmes de terror acabaram em beleza?