Valorização da filigrana da Póvoa de Lanhoso junta artesãos e jovens designers
Uma vintena de alunos e ex-alunos do curso de Ourivesaria da Escola Superior de Artes e Design, de Matosinhos está a participar numa pequena revolução cultural na freguesia de Travassos, Póvoa de Lanhoso, localidade onde se concentra o mais importante núcleo de oficinas tradicionais de produção de filigrana do Norte do país. No âmbito de um projecto dinamizado pela ESAD, em parceria com o Museu do Ouro de Travassos, os jovens designers estão a conceber peças para serem executadas pelos artesãos, que desta forma aceitam abrir portas à inovação numa actividade onde isso têm sido praticamente impossível de conseguir, dado a dimensão familiar das "empresas" existentes e o caracter reservado de quem faz desta arte de rendilhar o ouro a sua vida.O projecto "Leveza - Reanimar a filigrana em Travassos" surgiu após uma visita de uma delegação de docentes e alunos da ESAD ao Museu do Ouro, instalado há três anos na antiga oficina de antigo ourives, Francisco Sousa, e dinamizado pela sua família. Segundo um dos seus filhos, o arquitecto e professor universitário Manuel Sousa, este intercâmbio, que resultará num primeiro momento numa exposição, está a dar aos alunos a possibilidade de contacto com o mercado de trabalho e, aos artesão locais, uma hipótese de incorporarem inovação numa actividade conhecida pelas peças tradicionais, executadas da mesma forma ao longo de gerações. E agradou a entidades como o Centro Português de Design, o Centro Regional de artes Tradicionais (CRAT) do Porto e as regiões de Turismo do alto Minho e Verde Minho, que já garantiram apoio à iniciativa.Para um Museu que "pretende ser um agente interventivo, não apenas um espaço de exposição", a possibilidade de colaboração caiu como sopa no mel. E está a entusiasmar outra das entidades que a apoiam, a autarquia da Póvoa de Lanhoso. No âmbito de um seminário sobre certificação ocorrido na última sexta-feira, cujo programa incluía um painel dedicado àquela actividade, o presidente da Câmara, Lúcio Pinto, afirmou ao PÚBLICO "a vontade de fazer vingar o emblema do concelho capital da filigrana", mas confessou que, para isso, seria necessário uma maior abertura por parte dos ourives, normalmente receosos a partilhar o "segredo" da sua arte com outros, notou. A solução, argumenta o autarca, passaria pela certificação deste produto e, como acrescenta Manuel Sousa, pela criação de uma denominação de origem (ver caixa), dois mecanismos que poderiam valorizar os executantes das peças e identificar Travassos como aldeia-oficina que é, a par de Sobradelo da Goma, outra localidade da Póvoa de Lanhoso onde há ainda parte da população a viver do ouro. Para ambos, esta seria também uma forma de acrescente valor económico a uma actividade que vive também ela as agruras da crise, notória no número de oficinas que temporariamente fechou as portas - enquanto os ourives se dedicam a outras actividades, fora do país - à espera de dias mais risonhos. Se o projecto Leveza resultar em toda a sua intencionalidade, as relações entre ourives e designers deixarão de ser uma excepção digna de notícia e inserida num projecto académico - que visa "facilitar a confiança entre os participantes", nota Manuel Sousa - para se tornarem, espera-se, em contactos normais na actividade destes dois grupos profissionais. Sinal de que isso pode acontecer é desde logo o interesse das famílias responsáveis pelas seis oficinas contactadas - o nome do executante ficará associado a cada peça, tal como o do designer - e a participação de antigos alunos, já com presença no mercado, nesta iniciativa da ESAD e do Museu do Ouro. A exposição dos trabalhos realizados no âmbito do projecto "Leveza", com abertura marcada para 8 de Maio, no Museu do Ouro de Travassos, vai incluir peças de filigrana de alguns dos melhores designers/ourives da Europa, como Carmén Amador Ruiz, Silvia Walz e Ramón Puig Cuyas, da Escola Massana, de Barcelona, o ourives belga David Huycke, Kadri Maelk, da Academia de Artes da Estónia, Inês Sobreira, da ESAD e Ana Campos, Coordenadora do Departamento do Curso de Artes/Joalharia desta escola superior. A mostra tem já uma itinerância garantida. Está pedida pelas duas comissões regionais de turismo do Minho e tem passagens asseguradas pelo Centro Regional de Artes tradicionais do Porto e pelo Museu do Traje, em Lisboa, devendo ainda ser integrada numa mostra com o tema "Orar e trajar em Portugal" que a Embaixada de Portugal em Paris vai organizar na sede da Unesco, naquela cidade. À excepção dos que já visitaram o Museu do Ouro, Pouca gente em Portugal associa a filigrana à Póvoa de Lanhoso, que a par de Gondomar, neste caso com um pendor mais industrial, partilha a responsabilidade por boa parte da produção portuguesa deste tipo de joalharia cujas técnicas os europeus importaram do Oriente. Travassos, uma freguesia de cerca de mil habitantes, concentra ainda cerca de quatro dezenas de oficinas onde diariamente se produzem e trabalham delicados fios de ouro, que tomam a forma de peças conhecidas, como o coração, adorno preferido pelas mulheres de Viana do Castelo para o traje vianense, conhecido em todo o país, e escolhido como símbolo no logotipo da Região de Turismo do Alto Minho. "As pessoas de Lisboa espantam-se quando lhes dizemos que Viana não tem uma única oficina e que todas essas peças são produzidas em Travassos", conta Manuel Sousa, insatisfeito com o "anonimato" a que esta actividade está votada. Daí à intenção de pôr a Póvoa de Lanhoso no mapa como capital desta arte vai um passo. "Não queremos tirar a fama a Viana. Mas gostaríamos de ter uma parte do proveito", assume este arquitecto.