BD japonesa conquistou a Europa, mas é fenómeno residual em Portugal
Uma pequena maldição parece pairar sobre Portugal, onde o avassalador fenómeno europeu da banda desenhada japonesa (mangas) teima em não ganhar raízes. Mas um editor português de banda desenhada (Devir) decidiu desafiar de novo os deuses, preparando-se para editar no próximo mês de Maio a série "Dark Angel", de Kia Asamiya. Com distribuição no circuito dos quiosques, é a primeira de várias séries em perspectiva pelo mesmo editor, nas quais se incluem tanto criações japonesas como sul-coreanas. Ao contrário das bandas desenhadas japonesas (estruturadas para serem lidas do fim para o princípio), estas últimas têm a grande vantagem de já serem facultadas no formato e modelo ocidentais, facilitando a respectiva produção.Com esta iniciativa, a Devir junta-se ao restritíssimo clube de editores de mangas, até agora inteiramente preenchido pela Meribérica-Liber - isto se excluirmos uma experiência falhada da Texto Editora, em 1996. Num propósito de diversificar a sua presença no mercado, esta última editora começou a publicar as séries "Ranma " (de Rumiko Takahashi) e "Striker" (desenho de Ryoji Minagawa e texto de Hiroshi Takashige), em fascículos quinzenais, apoiadas numa ambiciosa campanha promocional e publicitária. A resposta dos consumidores foi decepcionante e o projecto foi abandonado.Dois anos depois, em 1998, a Meribérica lança o primeiro volume (formato de livro) de "Akira", de Katsuhiro Otomo, do qual já saíram 18 dos 20 volumes da primeira série (o 19º está previsto para finais de Abril, mas não há ainda nenhuma decisão de publicação do 20º título). Seguir-se-á "Mother Sarah", de Takumi Nagayasu (desenho) e Katsuhiro Otomo (texto), com três volumes saídos até ao momento. As tiragens destas edições rondam os três mil exemplares em média, o que está a anos-luz das gigantescas edições nipónicas ou mesmo das europeias menos sucedidas. Para esta modesta dimensão contribui o facto de as mangas terem sido introduzidas em Portugal como "um produto de luxo" (os volumes de "Akira", a cores, custam à volta de 18 euros cada um), como realça Patrícia Protásio, directora literária da Meribérica:"A noção que temos é de que [as mangas] se dirigem a um público jovem, talvez a partir dos 13-14 anos. A aceitação das colecções 'Mother Sarah' e sobretudo 'Akira' levaram-nos a continuar com essa política de preço durante seis anos. Ou seja, talvez possamos caracterizar o público consumidor de manga como jovem e encarando o produto como sendo um item de alto valor, dada a escassa produção nacional".Esta política não impediu a editora de apostar numa aproximação das séries a um público mais vasto. Por isso, decidiu relançar "Akira" nas bancas, cujos livros são agora oferecidos a preços muito mais acessíveis - 6,5 euros para os primeiros 15 volumes, e 13 euros para os restantes.O principal obstáculo a um mais elevado número de edições em português tem a ver com a especificidade cultural do próprio universo editorial do Japão. "O problema não são os editores portugueses; os editores japoneses é que não estão interessados em mercados que nada representam para eles", explica João Miguel Lameiras, conselheiro editorial da Devir e investigador de banda desenhada que trabalha numa tese de doutoramento sobre as mangas. "Para a escala japonesa, o mercado ocidental é insignificante, e o português ainda mais. Por isso, não admira que muitas vezes nem respondam aos pedidos que lhes são endereçados", acrescenta. E quando essa primeira barreira é ultrapassada, autorizam a edição de obras de "segunda linha", que funcionam como uma espécie de teste à capacidade de realização dos editores ocidentais. Outro problema, também mencionado por João Lameiras, prende-se com a imposição de pacotes de obras aos interessados - incluindo autores "menores" conjuntamente com "estrelas" como condição para haver negócio.Resta o mercado de importação, que bebe tanto nos Estados Unidos como em França ou Espanha - este último país, aliás, tem editado praticamente tudo o que saiu de importante ou relevante no sector. "Se chegarem cá mais coisas do que as que têm entrado, de certeza que se vendem", garante Lameiras, para quem este é um mercado com "dimensão". E cita o caso das profusas edições espanholas de mangas, das quais "não chega cá nada".Pedro Silva, editor, importador e livreiro especializado em BD, afirma que "tanto as vendas como o número de clientes são relativamente baixos":"Embora a oferta tenha vindo a aumentar, nem se pode sequer falar de uma tendência de crescimento do consumo".Segundo este profissional, o público destes produtos situa-se abaixo dos 24-25 anos e a sua distribuição por sexos é muito mais equilibrada do que no resto da BD. "Não sei mesmo se não haverá mais meninas...", sublinha Pedro Silva. Globalmente, "é um pessoal novo, sem grande poder de compra, e para quem o preço de venda é importante". No seu todo, constitui um "mercado potencial aliciante que está mais sintonizado para os 'downloads' através da Internet do que para a compra". Ainda assim, as edições espanholas da Norma "vão saindo" e o que regista mais procura são as séries "Lone Woolf and Cub" (Kazuo Koike e Goseki Kojima) e "The Blade of the Imortal" (Hiroaki Samura).