Vale e Azevedo esteve 30 segundos em liberdade
Trinta segundos de liberdade foi o máximo que João Vale e Azevedo, antigo presidente do Benfica, gozou ontem, na sequência da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que ordenou a sua libertação devido a uma irregularidade formal na reavaliação da sua prisão preventiva pelo processo Euroárea, que se encontra em julgamento no tribunal da Boa-Hora. No julgamento, conhecido por "caso Euroárea", Vale e Azevedo responde pelos crimes de peculato (apropriação indevida de dinheiro do Benfica), branqueamento de capitais e falsificação. Perto das 18h30 o advogado, que está preso desde 17 de Abril de 2002, pôs o pé fora do Estabelecimento Prisional anexo à Polícia Judiciária e de imediato foi abordado por três agentes policiais que lhe exibiram uma notificação do juiz Ricardo Cardoso, presidente do colectivo que julga o processo Euroárea, a ordenar a sua detenção e condução pelas 11h00 de hoje ao Tribunal da Boa-Hora. Formalmente, Vale e Azevedo não ficou em prisão preventiva mas detido para assegurar a sua comparência na Boa-Hora. A informação sobre a nova situação prisional de Vale e Azevedo foi dada aos jornalistas pela sua mulher, Filipa Vale e Azevedo, que considerou estar perante a continuação de uma "palhaçada". Mais tarde, um assessor jurídico do antigo presidente do Benfica, Jorge Menezes, veio clarificar que a notificação do juiz Ricardo Cardoso dizia simplesmente que o arguido deveria ser detido e conduzido para interrogatório ao tribunal da Boa-Hora, explicitando que tecnicamente não havia uma situação de prisão preventiva. Já ao princípio da noite chegou ao estabelecimento prisional José António Barreiros, advogado de Vale e Azevedo, que se mostrou "estupefacto" com o que acontecera ao seu cliente, sublinhando ainda que "neste país e na justiça já nada o surpreende".Tudo se precipitou quando, ontem à tarde, o Tribunal da Relação considerou que Vale e Azevedo deveria ser libertado de imediato por não ter sido previamente ouvido pelos juízes que o julgam quando, há alguns meses atrás, foi reavaliada a medida de prisão preventiva no caso Euroárea. A defesa de Vale e Azevedo ganhava o recurso da decisão do juiz Ricardo Cardoso, mas o pior estava para chegar. Ricardo Cardoso, juiz presidente do colectivo da 8ª vara, tomou de imediato medidas para superar esse vício formal, que deverá ser sanado hoje de manhã, quando arguido e juiz se encontrarem no interrogatório marcado para o tribunal da Boa-Hora. O PÚBLICO apurou que a manutenção de Vale e Azevedo em prisão preventiva também será pretendida pelo Ministério Público, já que se encontram ainda pendentes investigações a João Vale e Azevedo. A notificação, enviada ontem à tarde a Vale e Azevedo, procura resolver a questão formal levantada pela Relação mas não é dissociável daquilo que será considerado pelos juízes da Boa-Hora a "questão de fundo", ou seja, o facto de o antigo presidente do Benfica estar a ser julgado por crimes alegadamente cometidos no âmbito de três inquéritos distintos - Euroárea, o negócio da quinta de Riba-Fria e evasão fiscal -, bem como de estarem em curso outras investigações. Este complexo novelo levanta, pelo menos em teoria, a pertinência de avaliar a situação de Vale e Azevedo à luz dos três pressupostos da prisão preventiva: perigo de fuga, perturbação do inquérito e continuação da actividade criminosa.O ex-presidente encarnado, que antes da prisão preventiva no Estabelecimento Prisional da Polícia Judiciária esteve detido na sua casa de Almoçageme, já cumpriu metade da pena a que foi condenado no caso Ovchinnikov, um dos requisitos para que pudesse sair em liberdade condicional no âmbito deste caso, mas isso não veio a acontecer com a decisão de Ricardo Cardoso de pô-lo em prisão preventiva no caso Euroárea. Na prática, a complexa situação jurídica em que se encontra João Vale e Azevedo devido à sucessão de casos em julgamento e em investigação impede a sua libertação, cenário provável se fosse apenas tida em conta a pena aplicada no julgamento do negócio relacionado com a aquisição do guarda-redes russo que esteve ao serviço do Benfica.João Vale e Azevedo foi detido a 14 Fevereiro de 2001 devido a ilegalidades cometidas na aquisição do guarda-redes russo Ovchinnikov e condenado a quatro anos e meio de prisão em 17 Abril de 2002.Foi acusado e começou a ser julgado em 4 de Junho de 2003 na sequência do caso Euroárea, relacionado com a venda dos terrenos Sul do clube, a que foram apensos mais dois inquéritos, sobre o negócio de venda da quinta de Riba Fria, que chegou a fazer parte do património do PSD, e um outro sobre alegada evasão fiscal do arguido.O antigo presidente do Benfica é ainda acusado de burla numa queixa apresentada pelo empresário e seu ex-amigo Dantas da Cunha devido a um processo de compra e venda de um imóvel em Lisboa.