Morreu o cineasta francês Jean Rouch
O etnólogo e cineasta francês Jean Rouch morreu ontem, aos 86 anos, num acidente de viação na Nigéria, numa estrada perto de Konni, na região de Tahoua. Rouch, um fascinado pela cultura africana, estava neste país a participar num evento dedicado ao cinema. As causas do acidente ainda não foram apuradas. Sabe-se apenas que estava acompanhado pela sua mulher, pelo cineasta Moustapha Allassane e pelo actor Damouré Zika, ambos nigerianos. A embaixada francesa adiantou que os acompanhantes do etnólogo estão bem.Jean Rouch nasceu em Paris, em 1917, e foi fundador, com o sociólogo Edgar Morin, do movimento cinema-verdade, nos anos 60, uma forma de cinema directo, que viria a influenciar a "Nouvelle Vague". Durante a II Guerra Mundial, foi trabalhar para África como engenheiro civil, e foi nesta altura que fez os seus primeiros documentários sobre as manifestações culturais no continente africano, nomeadamente sobre a vida das tribos. "O que marcou a sua diferença dos outros documentaristas foi o modo como usou a câmara; para Rouch, ela era um prolongamento do corpo. Não foi um mero observador, mas um provocador que ousou levar a câmara para locais de tensão. Ele transportava-se para as situações e filmava as pessoas a actuar de uma forma verdadeira. O importante nas suas captações eram as pessoas, por isso filmou muito com a câmara ao ombro", nota Catarina Alves Costa, antropóloga e documentarista. Enquanto estava no Senegal a trabalhar com alguns negros nas obras de uma ponte, Rouch ficou fascinado com um ritual que estes fizeram quando começou uma trovoada. Quando regressou a França, estudou antropologia no Museu do Homem, para depois voltar, em 1946, ao continente que o fascinava. Partiu com dois amigos e uma velha máquina de filmar de 16mm para fazer uma descida de canoa no rio Níger da nascente até ao mar. Com esta viagem surge o primeiro filme, "Au Pays des Mages Noirs" (1947). O encanto do cineasta pela realidade que encontrou na Nigéria fê-lo realizar, de seguida, duas curtas-metragens, também sobre ritos da região, "Les Magiciens de Wanzerbe" (1948) e "La Circoncision" (1949). Mas é com "Initiation à la Dance des Possédés" (1949) que ganha o primeiro prémio no Festival de Biarritz.O trabalho de recolha etno-cinematográfica que Rouch realizou em África deixou marcas não só no cinema como em novas formas de abordagem antropológica deste continente. O cineasta captou através da sua câmara uma África em transformação, em filmes como "Madame L'Eau" (1953), "Les Maîtres Fous" (1955, Grande Prémio do Festival de Veneza), "Moi, un Noir" (1958) ou "La Pirâmide Humaine" (1961). A sensibilidade com que Rouch retratou a realidade dos países africanos mais longínquos teve um importante eco no desenvolvimento do cinema local. "Os seus filmes etnográficos tiveram sempre uma forte ligação entre a ficção e a realidade, filmou essencialmente cidades africanas na época colonial. O cinema era muito aberto, os fins não eram acabados. Acima de tudo, era um realizador possuído pelos acontecimentos que o tornaram uma referência para o documentário da actualidade", acrescenta Catarina Alves Costa.Mas a importância da obra de Rouch extravasou a realidade africana, tendo marcado o cinema europeu e mundial - neste aspecto é marcante o filme que co-realizou com Edgar Morin, "Cronique d'un Été" (1962), sobre a realidade parisiense no início da década de 60.Numa carreira em que assinou mais de uma centena de filmes, Rouch trabalhou com inúmeros outros realizadores, entre os quais Claude Chabrol, Éric Rohmer, Jean-Luc Godard e... Manoel de Oliveira (ver caixa). Em França, foi director do Comité do Filme Etnográfico no Museu do Homem, director do Centro Nacional de Pesquisa Científica, professor na Escola Prática de Altos Estudos, em Paris. Entre 1987 e 1991, foi ainda presidente da Cinemateca Francesa.