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"Making Of" de uma pintura

Relação que é, claro, próxima da obsessão. "Rapariga com Brinco de Pérola" acaba por propôr uma espécie de "explicação" para a pintura de Vermeer. Durante a primeira parte, o filme de Peter Webber apresenta personagens e lugares: vemos então um Vermeer (Colin Firth) pouco ou nada sorridente, que está bem longe de se assemelhar ao homem mais feliz do mundo, encurralado entre a casa e o estúdio, a família (mulher e filhos) que parece mais maçá-lo do que outra coisa, a sogra (fantástica Judy Parfitt) que é quase a sua "manager", o patrono (Tom Wilkinson), cínico e explorador. Sobre isto acrescentam-se as camadas de luz sombria e cinzenta da fotografia de Eduardo Serra - na verdade, a fotografia é a melhor coisa do filme -, que são tanto um comentário como a inscrição das luzes e da cor da pintura de Vermeer no próprio meio que o rodeia.

Depois, desperta-se o interesse de Vermeer pela jovem criada (Scarlett Johansson) que no princípio do filme começa a trabalhar em sua casa. Ou vice-versa, pois a rapariga cedo revela um fascínio, timidamente mostrado, pelo pintor e pelo seu "métier". Esse é o "osso" do filme, claro, mas desgraçadamente, depois da "mise en place" da primeira parte, eficaz mesmo que sem rasgos, quando se chega aí revelam-se os limites do realizador Peter Webber. Obsessão, mistério, sublimação: de tudo um pouco se faz a história do quadro da rapariga com brinco de pérola, mas são precisamente esses elementos que Webber tem mais dificuldade em traduzir.

Quanto mais a história se concentra naquelas duas criaturas fechadas no estúdio, quanto mais a atenção recai sobre as correntes invisíveis que atraiem o pintor e o seu modelo, menos o filme é capaz de encontrar a energia e o poder transfigurador para que efectivamente se sinta toda a força dessa invisibilidade. "Rapariga Com Brinco de Pérola" cai num registo francamente indistinto, muito "inglês" (no pior sentido que a expressão tem em cinema) se quisermos, onde se sente cada coisa no seu lugar mas onde cada coisa permanece inerte, muda.

Ao mesmo tempo, há um problema de credibilidade no Vermeer de Firth. Excelente actor como é, submete-se à personagem - mas, é o problema da recriação de personagens históricas, vemos sempre mais Firth a fazer de Vermeer do que propriamente Vermeer. Talvez um desconhecido fosse mais indicado para o papel, ou então alguém (como Charles Laughton no "Rembrandt" de Korda, já que falamos de pintores) que em vez de se tentar transformar na personagem transformasse a personagem em si próprio. Resta Scarlett Johansson, quase tão perdida como na Tóquio de Sofia Coppola, a fazer passar pelo rosto e pelo olhos tudo o que, num filme sobre retratos, tem que passar pelo rosto e pelos olhos.

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