Casa Conveniente muda-se para o coração do Cais do Sodré
A companhia de teatro Casa Conveniente, de Mónica Calle, mudou-se há uma semana das franjas para o coração do Cais do Sodré: saiu da Rua dos Remolares para ocupar um antigo bar, o Lusitano, mesmo em frente à discoteca-bar Jamaica. Com esta mudança, a encenadora vai ter que, pela primeira vez, pensar em formas de rentabilizar o espaço.Na sexta-feira à noite, Calle deu uma festa de despedida da antiga loja de ferragens e de artigos de pesca que há mais de dez anos deu o nome à companhia - Casa Conveniente - e era uma cedência do Sindicato dos Estivadores do Porto de Lisboa.A ensaiar no novo espaço há uma semana, a encenadora diz: "Foi tudo muito rápido, ainda para mais a meio de um processo de trabalho [a adaptação de 'Um Dia Virá']. A sensação é desarmante. É preciso começar tudo de novo, o que não é mau. Vamos com certeza ter outros públicos, isto vai trazer novos estímulos e novas coisas. Agora é limpar as memórias que aqui estão e começar a colocar aqui as nossas."A mudança já estava prevista mas acabou por acontecer mais cedo do que o esperado - Calle pretendia mudar-se só depois de apresentar a adaptação de "Um Dia Virá" (que estreou no Centro Cultural de Belém, em finais do ano passado). "Foi uma transição rápida. Depois de uma vistoria da Câmara, as coisas aceleraram-se", diz a encenadora, ainda em fase de adaptação à sua nova casa.De um espaço cedido, adaptado a uma sala de teatro, Calle passa para um lugar arrendado, com dois andares, ainda com candeeiros e decoração dos anos 70, conta, e um balcão (que ontem foi demolido). Terá que voltar a fazer obras - a área, diz, é praticamente a mesma que a antiga loja de ferragens - mas agora tem um espaço onde se podem apresentar duas criações em simultâneo. A nova Casa talvez passe a integrar concertos na sua programação, acrescenta a encenadora e actriz.No entanto, obedecerá a uma nova lógica de funcionamento: Mónica Calle cedia o espaço a outros criadores; agora vai ter que passar a cobrar o aluguer e vai "tentar rentabilizar o espaço" e encontrar parceiros pontuais. Os 15 mil contos anuais que a estrutura recebe do Instituto das Artes há quatro anos (os subsídios foram prorrogados por mais um ano) são insuficientes e não chegam para as obras, explica.Inaugurada em 1992, com "A Virgem Louca", a Casa Conveniente, um lugar em piso térreo, com chão de cimento, duas portas e uma montra a darem para a rua, foi-se metamorfoseando. Quando encenou "A Menina Júlia", de Strindberg, em 1993, Calle fez da própria rua os bastidores (era do exterior que saíam os actores, vestidos como em 1888); em "Jogos de Noite", dividiu-a em quatro "salas", cada uma ocupada por um actor; em "Os Dias que Nos Dão", abordagem à relação entre um homem e uma mulher, Calle empurrou o palco para a casa de banho; para "As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant", de Fassbinder, o espaço foi transformado em sala, quarto, cozinha para depois ser ocupado com uma piscina de plástico, um baloiço, uma pá, um monte de terra e pedras em "A Loucura da Normalidade" (2001). Em "Rua de Sentido Único", um dos seus espectáculos mais intimistas, a Casa Conveniente "encolheu": tudo se passava num pequeno quarto escuro onde se diluíram as fronteiras palco-plateia. "As Três Irmãs - que importância é que isto tem?", a partir de Tchekov, em que as intérpretes "devolviam" o espectáculo aos espectadores, foi a sua última criação na Casa Conveniente.Entretanto, a par das criações no Cais do Sodré, a encenadora e actriz foi criando espectáculos para o Centro Cultural de Belém ("Crónicas", 1997, "Bar da Meia Noite" ou o inesquecível "Um Dia Virá", com textos de Beckett, encenado no final do ano passado), na Culturgest ("Os Paraísos do Caminho Vazio", 1998, encenado no anfiteatro).Por enquanto, o antigo bar, ou a nova Casa Conveniente, ainda tem portas e janelas fechadas, mas depois da apresentação de "Na Esquina de Uma Rua" (estreia a 12) Calle quer abri-las para voltar a fazer um teatro em osmose com o exterior.