Helmut Newton morreu em Sunset Boulevard
No mundo da fotografia, Helmut Newton foi uma estrela, com um estilo de vida à altura das "stars" captadas pela sua objectiva: Verões em Monte Carlo, Invernos em hotéis de luxo de Hollywood, sob o sol da Califórnia. Foi ao deixar um destes hotéis, o Chateau Marmont, junto à cinematográfica - e trágica - Sunset Boulevard, que Newton morreu, aos 83 anos, num acidente de automóvel na sexta-feira: o fotógrafo estava a sair do parque de estacionamento do hotel, onde se encontrava com a mulher, quando, aparentemente, perdeu o controlo do seu Cadillac, que se despitou e embateu numa parede. Newton foi levado de ambulância para um centro médico, onde veio a falecer pouco depois. Desconhece-se o que terá motivado o acidente: apesar de, recentemente, ter tido alguns problemas de saúde, uns dias antes do acidente Newton foi visto a nadar e a jantar com amigos, além de ter comparecido numa festa do "enfant terrible" da moda, Alexander McQueen. Uma estrela, até ao fim.Entre fotografias de moda, grandes nus femininos e retratos de celebridades, Helmut Newton definiu uma iconografia que muito deve a uma mistura de erotismo e "glamour", de "fetichismo" e decadência. Sob o olhar de Newton, as mulheres, centrais na sua fotografia, foram espartilhadas, protagonistas de cenografias sado-masoquistas que ameaçam expor o espectador como "voyeur". Sapatos de saltos altos, coleiras, correntes, cadeiras de rodas e mesmo selas são alguns dos acessórios com que Newton idealizou o seu modelo feminino. Elsa Peretti, por ele fotografada num corpete de coelhinha da "Playboy", em 1975, viria a dizer: "Quando fotografa, Helmut pode ser cruel. Ele diz coisas como 'és apenas um objecto, querida', mas eu adorava ser um objecto diante da sua câmara." Para uns, foi o inventor do "porno chic", para outros ampliou o universo da sensualidade feminina. Controverso, provocador, audaz, tanto motiva manifestações de feministas nos anos 80 com uma série de nus como irrita o joalheiro italiano Bulgari ao fotografar os seus diamantes e safiras nos pulsos de uma modelo desmembrando uma galinha. É um "paparazzo" frustrado, como dirá ao "Le Monde": "Sempre sonhei ser 'paparazzi', mas não sou suficientemente rápido. Quem quer que tenha surpreendido Jackie Onassis nua, numa ilha grega, é realmente um grande fotógrafo." A par da fotografia de moda e dos seus estudos femininos, a preto e branco, Newton documenta também a alta sociedade, o luxo e o excesso dos ricos, porque, como afirma, é o que melhor conhece. "Não fotografo os pobres porque isso parecer-me-ia cínico." Junto dos ricos, também pode ser cínico: mostrando uma mão anafada, em grande plano, empunhando dólares. Cinco mil euros por dia?Em Outubro passado, Newton anunciou a doação de mil obras a Berlim, afirmando-se "orgulhoso" com a possibilidade de ver o seu trabalho exposto na sua terra natal. Em Junho, uma nova galeria berlinense irá mostrar esse legado. É, de certa forma, uma reconciliação: Newton nasceu em Berlim, a 31 de Outubro de 1920, no seio de uma família judia, mas aos 18 anos deixa a Alemanha, fugindo à perseguição nazi. Recentemente, terá dito que nunca sentiu saudades da Alemanha mas, sim, de Berlim. Compra a primeira câmara aos 12 anos, abandona a escola aos 16 e integra o estúdio de uma fotógrafa reputada, Elsie Simon, conhecida como Yva. Em Dezembro de 1938, parte rumo à China a bordo de um barco, desembarca em Singapura, onde é contratado pelo diário "Straits Times", que deixa ao fim de duas semanas: "Estava longe do objectivo que tinha em mente: tornar-me fotógrafo da Vogue", justificou à "New Yorker". Emigra para a Austrália em 1940, assume a nacionalidade australiana, casa com a actriz June Brunell em 1948 (que se torna fotógrafa sob o nome de Alice Springs, e com quem permanece casado até à morte), abre um pequeno estúdio em Melbourne e lança-se na fotografia de moda. Em 1956, instala-se em Paris, ilustrando páginas de revistas como a "Elle" e a "Vogue", entre outras. Começa, então, a história de Helmut Newton, o homem que redefiniu a fotografia de moda. Colabora com Yves Saint-Laurent, em meados dos anos 60: "A minha admiração por Yves Saint-Laurent não tinha limite. Afinal, não vestia ele a minha 'mulher ideal' tal como eu a queria fotografar?" Com a fama, vem o proveito: todas as revistas querem Helmut Newton, do qual se diz ganhar cinco mil euros por dia de trabalho. Em 1976, publica o álbum "White Women", composto por estudos de mulheres nuas, longilíneas e frias, gerando os primeiros sinais de controvérsia - arte ou exploração? Nos anos 80, expõe uma série de nus, a preto e branco e em grande formato, intitulada "Big Nudes", imagens duplas de mulheres que aparecem vestidas e depois nuas, na mesma posição. Em 1998, confessa à "Salon": "Apesar de não ter ideia do número, acho que fotografei demasiadas mulheres nuas." Há ainda Helmut Newton, o retratista, para o qual posam celebridades como Elizabeth Taylor, Natassja Kinski, Andy Warhol, Catherine Deneuve (numa imagem muito "belle de jour", em 1976), Leni Riefenstahl, até mesmo Fidel Castro e Gabriel García Marquez e Jean-Marie LePen, o líder da extrema-direita francesa. Nem aqui deixou de ser provocador, portanto.Era daltónico, o que, dizia, "não me impediu de ver".