Caritas de Viseu aposta na integração da comunidade cigana
Agarrado ao computador, Manuel vai desfiando um ainda vacilante projecto de vida. "Quero ser professor de informática ou então feirante", afirma o rapaz, incluindo nas opções a ocupação dos pais.Manuel Pinto é uma das crianças que frequenta o Centro de Ocupação Juvenil (COJ) que a Caritas diocesana de Viseu realiza no Bairro Social de Paradinha. "Este é um bairro com características inerentes a muitos bairros sociais, e um bairro que tem os seus problemas, senão não estaríamos cá", ilustra António Ramalho, o sociólogo que integra a equipa da Caritas. Os grandes objectivos do projecto são o combate ao abandono escolar e a promoção da integração. No bairro social de Paradinha vivem cerca de 500 pessoas. "São cerca de 100 famílias, mas cerca de 40 são ciganas. Em média o agregado familiar de uma família cigana é de cinco pessoas, contra três da comunidade não cigana", esclarece António Ramalho.Na sala do COJ, rodeado de computadores, Manuel, que com 14 anos frequenta a "quarta classe", expõe que não escapa um dia. "Venho cá sempre, saio da escola à uma [13h00] e venho para cá às duas". Para quê? "Para jogar computador e escrever textos". O COJ é frequentado por cerca de 70 adolescentes dos 12 aos 18 anos, ciganos e não ciganos. "É importante haver esta mistura, não só para aumentar os graus de tolerância, mas para as próprias crianças começarem a conviver desde muito cedo, aceitando e esbatendo as diferenças", refere o sociólogo.Além do COJ, a Caritas tem também a funcionar um centro de actividades de tempos livres (ATL), para crianças dos seis aos 12 anos e espera agora ver renovado o projecto Comunidade Activa, que passará a chamar-se "Comunidade Mais Activa". "É um projecto mais abrangente, que integra os nossos recursos humanos mas soma-lhes outros, por exemplo uma psicóloga, permite-nos fazer formação e pré formação profissional", frisa. O fito é despertar interesse por outras áreas, para que os jovens ciganos escapem ao "ciclo vicioso". Ou seja, sublinha Ramalho, "há um forte abandono escolar, não têm habilitações para seguir nada, têm dificuldade em aceder a empregos e vão para as feiras".Um "fado" que o projecto da Caritas tem conseguido suavizar. "Já houve mudanças, temos bastantes crianças a frequentar o segundo ciclo e temos já um número muito reduzido, mas que é uma pequena vitória. Três ou quatro que frequentam o oitavo ano e um no nono ano", enfatiza Susana Criado, que desde há três anos desempenha funções de Técnica de Acção Social no bairro de Paradinha. O caminho da integraçãoAntónio Ramalho recusa posturas radicais e mudanças imediatas. Lembra que o racismo existe, mas que os ciganos também se auto-marginalizam. "Se os ciganos são marginalizados pela sociedade, e são, obviamente, eles também se auto-marginalizam em termos comportamentais, por exemplo". O caminho da integração é de todos. "Tem de haver uma luta muito forte das instituições no sentido de aumentar a escolaridade, na mudança de alguns comportamentos culturais, porque o racismo não é inato, é uma construção social", argumenta. Por isso, os projectos da Caritas envolvem crianças não ciganas, não só do bairro, mas também das localidades mais próximas: Paradinha, São Salvador e Póvoa da Medronhosa. "É importante, para se envolver o tal pluralismo cultural, a interculturalidade, esta questão tem de ser atacada pela raiz", adverte. No âmbito dos projectos em curso, a Caritas tem desenvolvido parcerias com a Câmara de Viseu e com a Segurança Social, de forma que o Centro de Atendimento da freguesia de São Salvador funciona no bairro. "Isso é muito importante, queremos dar vida a este bairro, e é outro dos objectivos, a não 'guetização' do bairro". Embora o sociólogo reconheça que os problemas da toxicodependência, alcoolismo e demais comportamentos desviantes se façam sentir. "É um bairro social como todos os outros", atesta. O sociólogo já elegeu como grande vitória "uma intervenção contínua e o fim do abandono escolar". Enquanto o trabalho da Caritas prossegue, e enquanto aguarda a aprovação do Projecto "Comunidade Mais Activa", Ramalho refere "pequenas, mas importantes batalhas". "Por muito que isto não seja uma mudança radical na vida, se os jovens com quem estamos agora a trabalhar, quando forem pais, tiverem outra perspectiva do mundo, até no relacionamento com os não ciganos, para nós já é uma grande vitória", garante."Se os ciganos são marginalizados pela sociedade, e são, obviamente, eles também se auto-marginalizam em termos comportamentais""Queremos dar vida a este bairro, e é outro dos objectivos a não 'guetização' do bairro"António Ramalho,sociólogo da Caritas