Comissão Europeia confirma primeiros casos de "scrapie" em Portugal
Os dois ovinos abatidos em matadouros portugueses em Outubro do ano passado, que deram positivo ao teste rápido da encefalopatia espongiforme bovina (BSE), tinham um "tipo de 'scrapie' invulgar", esclareceu ontem em Bruxelas a Comissão Europeia. A porta-voz do comissário para a saúde e defesa dos consumidores, Beate Gminder, assegurou que não se trata de casos de doença das vacas loucas que se tivesse transmitido aos ovinos. As informações divulgadas têm na sua origem um esclarecimento do laboratório de Weybridge (Reino Unido), que é a instituição europeia de referência para as encefalopatias espongiformes transmissíveis (EET). Segundo este organismo, o padrão encontrado nas amostras dos cérebros dos dois animais portugueses - um deles foi importado directamente de Espanha, mas abatido em Portugal - "é distinto daquele que foi verificado em ovelhas experimentalmente infectadas com encefalopatia espongiforme bovina" (BSE). Por outras palavras, estes dois casos são os primeiros de "scrapie" em Portugal, país que até agora tinha sido poupado a esta doença.As consequências práticas daquela distinção são importantes, em particular em termos de saúde pública. A "scrapie" (que é uma EET, tal como a doença das vacas loucas), transmite-se horizontalmente na mesma espécie, mas não é transmissível ao homem. Já a BSE pode passar para o ser humano, assumindo a forma de variante da doença de Kreuzfeldt-Jakob. Ou seja, existiu em Portugal uma situação muito séria em termos de saúde animal, mas foi considerado que os consumidores de carne de ovinos e caprinos não tinham que se preocupar com a qualidade do que chega aos talhos - daí não haver restrições ao consumo.Para enfrentar o problema, a Direcção-Geral de Veterinária tomou em devido tempo as medidas previstas na legislação, como noticiámos na edição de ontem: sequestro da exploração de onde era oriundo o animal infectado, abate e recolha de material cerebral dos co-habitantes para análise e inquérito ao rebanho. Os resultados dos exames laboratoriais foram ontem conhecidos e são todos negativos."A situação está debelada", afirmou ao PÚBLICO Frazão Gomes, secretário de Estado adjunto do Ministro da Agricultura. Com esta afirmação, aquele membro do Governo referia-se tanto ao facto de o foco de "scrapie" ter sido eliminado, como ao esclarecimento das dúvidas geradas pelo relatório enviado para Lisboa pelo laboratório inglês. O teor deste último documento, recebido apenas na semana passada, levantou as mais vivas preocupações no Ministério da Agricultura. "Nunca esteve em causa que fosse a variante da BSE nos ovinos, mas a verdade é que os resultados não nos satisfaziam e foi isso mesmo que nós transmitimos à Comissão Europeia", declarou ainda Frazão Gomes. Recorde-se que o documento de Weybridge nunca refere o caso dos dois ovinos - erradamente referenciados na nossa edição de ontem como borregos, mas tendo de facto 24 e 26 meses de vida quando foram abatidos - como sendo "scrapie". Os responsáveis do laboratório limitam-se a admitir que poderá ser uma encefalopatia espongiforme transmissível e referem-se também a casos "provavelmente positivos". Em síntese, fica a impressão que o laboratório geriu mal a comunicação da informação disponível sobre o caso, permitindo com isso que se instalasse a incerteza e a preocupação. Ou, o que é mais grave, Weybridge está em sérias dificuldades para reconhecer e identificar o que encontrou nos animais, justificando-se assim as formulações vagas e imprecisas que enviou para Lisboa.Necessidade de "mais exames"Num esclarecimento ontem enviado por Weybridge à agência Lusa, fala-se da necessidade de "mais exames" para aprofundar a investigação destes casos. Esta aspiração choca com uma impossibilidade: todo o material congelado dos cérebros dos dois animais foi consumido nos testes efectuados, tanto no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária (Lisboa), como no Reino Unido. Por isso, será impossível levar até ao fim o esclarecimento da verdadeira doença das duas ovelhas.O PÚBLICO soube que há mais material nas mãos dos técnicos do laboratório de referência, relativo a outros casos positivos surgidos posteriormente - ao que tudo indica, com as mesmas características dos anteriores. Por isso, talvez ainda seja possível saber em que consiste a forma "invulgar" de "scrapie" referida, que não consta de nenhum estudo publicado na literatura da especialidade.legenda: A "scrapie" transmite-se horizontalmente na mesma espécie, mas não é transmissível ao homem