Para não morrer de tédio
Augusto M. Seabra teceu considerações pouco elogiosas sobre os responsáveis pela produção e apresentação das artes plásticas, mas a sua reflexão desconhece as circunstâncias do que relata e arrisca-se a querer ter razão contra tudo e todos. Considerar a difícil construção do território de sobrevivência deste domínio em Portugal é sempre mais difícil. Faltaria interrogar as condições do sistema e as possibilidades a partir da confrangedora ausência de meios, se confrontado com o de outros países. A informação partiu ingenuamente de artigos de uma imprensa ressentida contra um tempo mais jovem, que procura alternativas para horizontes internacionais mais complexos com os quais pretende construir articulações. Considerar os impasses e respostas à situação pode esclarecer algo:1. a proliferação de colecções privadas permitiu, noutros países, construir grandes acervos em museus, que hoje temos como referência. O papel dos directores foi activo e propiciou destinos públicos para essas colecções. Quando há dez anos uma galeria apresentou a exposição de uma colecção Berardo, alguma crítica chegou a levantar dúvidas sobre a autenticidade das obras. Passados poucos anos a sua entrada no CCB foi temerariamente recusada. Hoje, consagrada consensualmente, é ainda problema para um Estado que há muito abdicou de construir património do presente. A proliferação de colecções qualificadas contribuirá para a afirmação internacional dos nossos artistas. Convém não desprezar novas situações;2. a acusação que me é dirigida, de ser incompatível realizar aquisições para uma colecção de arte contemporânea internacional com as funções de director do Museu do Chiado, é descabida, pois que não existe conflito de interesses. Esta colecção é estritamente nacional e centrada no período histórico de 1850 à actualidade, enquanto a colecção privada se dirige à contemporaneidade internacional. O problema pôr-se-ia se houvesse sobreposição de interesses na decisão. De resto, os nomes que comigo colaboram nesta colecção são directores e curadores de grandes museus europeus. Há alguns anos criaram-se entre nós parcerias entre bancos e museus para complementar colecções, ninguém invocou conflito de interesses; 3. a maioria das colecções realizadas em Portugal teve por promotores e consultores galeristas. A substituição por especialistas em história de arte contemporânea é um substancial aumento de qualidade. Menosprezar isso é insistir na mediania;4. durante anos, como comissário independente e como director de um museu nacional, tenho produzido obras de artistas portugueses e estrangeiros com esforços financeiros desenvoltos. Muitas integraram colecções fora do país. Inverter esta situação, encontrar financiamentos privados que possibilitem novas e mais produções no contexto nacional, que com isso se qualifiquem as programações das instituições e que as obras possam integrar colecções nacionais é um desafio contra o imobilismo da suspeição;5. que o sistema de agentes seja fechado, como é afirmado, é falso. Não só foi criada uma pós-graduação em curadoria de arte contemporânea, como as instituições convidam jovens comissários para organizarem exposições. Estas não transbordam de público e o crescimento do número de agentes que permita uma maior diferenciação de funções está refém desta situação, contudo os artistas e todo o sistema têm de trabalhar com escassos meios a um ritmo internacional para romper o isolamento português;6. o Museu do Chiado é acusado de realizar "'promoções' no mínimo prematuras", trata-se de uma referência à exposição "Nothing will go wrong", de João Onofre, que já fora convidado, em 2001, pelo célebre comissário Harald Szeemann, a integrar a exposição central da Bienal de Veneza. A mostra que o Museu do Chiado lhe dedicou foi apresentada no CGAC, em Espanha, e constituiu uma exportação inédita, acolhida com entusiasmo. O Centro Georges Pompidou de Paris adquiriu uma obra e encomendou uma nova para a exposição que lhe vai dedicar. O Museum of Contemporary Art de Chicago também comprou um vídeo de Onofre que está em exibição. Creio serem estes dados suficientes para se perceber o grau de desconhecimento que subjaz à acusação. Difícil será sempre construir condições para que se não asfixie entre o tédio e uma crítica inconsequente.