Voluntariado no Hospital de São João pode ser "fraude à lei laboral"

Mais de 150 auxiliares de saúde e administrativos do Hospital de São João (HSJ), no Porto, estão a trabalhar em regime de voluntariado, sem receberem qualquer retribuição, depois de terem sido convidados pela administração a assinar um documento em que aceitam sujeitar-se a estas condições durante um mês com a promessa de um futuro contrato a termo. A administração do HSJ, contesta a versão e argumenta que são os próprios trabalhadores que "propõe o estágio voluntário" e que "nada lhes é prometido". Para um especialista em direito do trabalho, esta situação "aparenta uma fraude à lei laboral, ao tentar iludir as restrições à utilização do contrato a termo". A notícia, avançada ontem pelo Jornal de Notícias, partiu da denúncia de um médico e foi confirmada pelo Sindicato de Trabalhadores da Função Pública do Norte (STFPN). "Os trabalhadores continuam a exercer as mesmas funções que mantinham quando estavam com contrato, só que não recebem", esclareceu uma fonte oficial daquele sindicato. "Continuam a marcar o ponto, a integrar os turnos nocturnos e de fim de semana e vestem-se exactamente da mesma maneira", exemplifica a mesma fonte. Uma ex-funcionário do HSJ que não aceitou estas condições confirmou ao PÚBLICO a situação, mas a esperança de voltar a ser contratada levam-na a pedir o anonimato. "O departamento de recursos humanos informou-nos que, se não aceitamos o regime, nunca mais voltamos a trabalhar na instituição", contou. "A administração", acrescenta, "justifica o não pagamento dizendo que, como recebemos uma indemnização pelo contrato ter caducado, já estamos pagos". O argumento não convenceu a ex-funcionária : "Preferi pedir a carta para o desemprego porque, se nos acontece um acidente de trabalho ou algum erro durante o voluntariado, ninguém sabe quem se responsabiliza". Monteiro Fernandes é professor de direito de trabalho no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e considera o receio justificado. "Não há qualquer relação de trabalho, por isso, estas pessoas estão totalmente desprotegidas e podem ser directamente responsabilizadas", sustenta o professor que qualifica de "estranhíssima" a situação. "Parece haver aqui uma fraude à lei, tentando-se iludir as restrições à utilização do contrato a termo", avalia Fernandes. A administração daquela unidade têm outra opinião e assegura que "a situação está dentro da lei". "O que existem são contratos de três meses que são renovados por mais três meses, e no final desse tempo, para se fazer um novo contrato têm que se interromper durante um mês a relação contratual", afirma uma fonte oficial da administração do HSJ. "O hospital", garante a mesma fonte, "não se compromete a nada. Claro que se for possível faz um novo contrato; os que quiserem ir embora recebem a carta para o desemprego". Serafim Rebelo, vogal na Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte, realça que os hospitais têm autonomia quanto a estas questões e não vê nenhuma ilegalidade na situação. "Não se pode proibir a boa vontade das pessoas, nem o facto de elas serem solidárias", advoga Rebelo, ao repetir a versão do hospital. O STFPN não partilha da visão. "É imoral e uma intolerável que os hospitais tirem partido das fragilidades e da situação precária em que se encontram os trabalhadores", diz Miguel Vital, dirigente sindical do STFPN. Perante o cenário, as critica vão directas para os responsáveis do HSJ. "Se não tem recursos financeiros para fazer face às necessidades deviam assumir à tutela que precisam de mais meios. É fácil ser forte com os mais fracos, mas já não acontece o mesmo com os mais fortes", reforça o sindicalista. Para o STFPN, o problema poderia ser resolvido com o recurso dos hospitais ao contrato individual de trabalho. "A nova lei da gestão hospitalar já permite este regime, por isso, não se percebe porque é que o São João não o utiliza", refere Miguel Vital que salienta, no entanto, que a solução mais justa seria a integração destes funcionários nos quadros da Função Pública. Serafim Rebelo, da ARS Norte, tem uma interpretação diferente do quadro legal: "Há uma norma que prevê a contratualização individual na área da saúde, mas não é suficiente. É necessário haver uma regulamentação que concretize a utilização deste regime na Administração Pública".

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