Ministério Público pede apenas multa para Edite Estrela
O Ministério Público pediu ontem a condenação da ex-presidente da câmara de Sintra, Edite Estrela, por violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade, mas recusou uma eventual pena de prisão, contentando-se que a autarca socialista seja sancionada com uma multa.O tribunal de Sintra ouviu ontem as alegações finais do julgamento de Edite Estrela, por ter distribuído pouco antes das últimas eleições autárquicas um boletim municipal, respondendo à acusação da autarquia ser das "mais corruptas" do país, e uma carta aos munícipes, onde rebatia a "imagem negativa" do concelho apontada pelos candidatos da oposição. O procurador da República, Fernando Sobral, socorreu-se de várias citações da carta aos munícipes para considerar que o documento "consubstancia a emissão de juízos de valor" passíveis de acarretar "prejuízos para os outros candidatos". Sobre o boletim municipal reconheceu que "a questão seja mais duvidosa".A carta, afirmou, é manifesto "que configura a violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade". O magistrado desvalorizou os testemunhos prestados em julgamento de que a autoria do boletim e da missiva pertenceram a colaboradores de Edite Estrela: "Quando se assume a responsabilidade política assume-se a responsabilidade penal circunscrita à violação do dever de neutralidade e imparcialidade."O Ministério Público deixou cair o abuso de poderes, por concordar com a defesa que a prática daquele crime "estará prejudicado" com a violação de neutralidade e imparcialidade. Basta-lhe a opção pela multa, em alternativa à pena de prisão. Quanto à pena acessória de demissão de cargos públicos, "a actividade política e cívica [da arguida] é geralmente reconhecida", pelo que o requerido na acusação e pronúncia seria "de todo descabido"."O ódio do PCP"João Carretas, advogado do assistente, que se associou à acusação, classificou os testemunhos de Luís Paixão Martins, da empresa LPM, do vereador Rui Pereira, e de Maria José Leitão, ex-chefe de gabinete de Edite Estrela - segundo os quais a autarca não teve participação directa na elaboração ou conhecimento prévio de ambos os documentos -, como uma mera "táctica" para afastar a responsabilidade penal da arguida. O advogado apontou anteriores campanhas, como a de 1997, para afirmar que "a arguida era useira e vezeira neste tipo de comportamentos". E estranhou o testemunho de Luís Paixão Martins, "que fazia a campanha eleitoral da dr. Edite Estrela e também trabalhava para a câmara". Socorrendo-se de Cervantes, para que o caso seja "um proveitoso exemplo", ou do secretário-geral do PS, que terá dito "se a política é mera táctica e gestão de imagem então não vale a pena", o advogado do PCP defendeu a condenação por abuso de poderes e a pena acessória de demissão de cargos políticos."O eco do ódio é talvez pior do que o próprio ódio e tolda-nos a razão", comentou o advogado de defesa, Tiago Rodrigues Bastos, que mais à frente justificaria as alegações do assistente com "o ódio do PCP à arguida". O advogado alegou que os testemunhos evidenciaram a dificuldade em estabelecer o que pode ser impedimento do presidente de câmara e o que compete ao candidato. E, na defesa da absolvição da arguida, notou não ter ficado provado que a sua conduta influenciou o sentido de voto de qualquer eleitor. "A responsabilidade política não se confunde com responsabilidade criminal, porque senão tínhamos as prisões cheias de políticos", argumentou o advogado da defesa, acrescentando que, se forem confundidas as responsabilidades política e jurídica, "então ninguém quer ser político".O juiz-presidente do colectivo, Américo Lourenço, perante a necessidade de análise dos depoimentos e documentos juntos aos autos, remeteu a leitura do acórdão para 6 de Janeiro, dia de reis.